A reestruturação das fábricas da Volkswagen (VW) no Brasil e na Argentina será liderada por António Melo Pires a partir de janeiro de 2016. É por isso que o atual director-geral da Autoeuropa deixará Portugal para assumir o cargo de vice-presidente de produção da VW na região da América do Sul
in Expresso, por Nicolau Santos e João Palma-Ferreira, 12-12-2015
Deu ao Expresso a sua última entrevista como responsável pela fábrica de Palmela – sob condição de não ser abordada a questão do escândalo “dieselgate”, explicando que este tema é tratado exclusivamente através da sede da VW em Wolfsburgo. Mas garantiu que o investimento alemão em Palmela continuará e que a fábrica portuguesa é a mais competitiva de todo o grupo VW. No primeiro trimestre de 2016 as funções de diretor-geral da Autoeuropa serão assumidas por Miguel Sanches, atual vice-presidente para a produção e logística da fábrica da VW em Puebla, no México – um gestor que conhece bem a fábrica de Palmela, onde trabalhou durante 18 anos.
P – No Grupo Volkswagen (VW) já trabalhou em Espanha, Brasil e Portugal. A Autoeuropa distingue-se das outras empresas?
R – A Autoeuropa é uma empresa ainda hoje relativamente jovem, desenvolveu uma cultura extremamente forte de competitividade e talvez nesse aspeto se distinga positivamente das outras empresas, o que se tem provado nos últimos anos, com os índices de competitividade que tem atingido.
P – Como é possível perceber que trabalhadores portugueses, técnicos portugueses e uma direção portuguesa levem uma fábrica da VW a ser a mais eficiente do Grupo VW?
R – Isso é a prova de que não é o facto de sermos portugueses que nos impede de ser melhores que os outros.
P – Qual é o segredo?
R – O segredo é utilizar as ferramentas certas para desenvolver uma cultura de competitividade e de exigência nos locais certos, por exemplo na formação e na comunicação. É muito difícil explicar em meia dúzia de palavras como é que uma empresa evoluiu ao longo dos últimos 25 anos, ou o que faremos no próximo ano. Essencialmente, a grande diferença é utilizarmos as ferramentas certas da forma certa.
P – Geneticamente, não encontra nenhuma diferença que nos torne menos produtivos do que outros povos?
R – Antes pelo contrário. Eu até diria que temos vantagens relativamente a outros povos. E isso prova-se pela quantidade de pessoas que exportamos. Não exportamos só carros, também exportamos pessoas, recursos humanos e talento. Neste momento temos 316 pessoas espalhadas por todo o mundo que saíram da nossa fábrica e outras que já saíram da nossa fábrica e outras que já saíram do grupo. Isso é a prova de que os nossos recursos são sobretudo flexíveis e adaptáveis a outras geografias e a outras culturas.
P – Outra marca da Autoeuropa é a paz social. Isso tem a ver com quem está do outro lado da gestão?
R – Seguramente. Toda essa constelação de interesses e de estruturas permitiu desenvolver as condições certas para que a paz social se mantivesse na Autoeuropa.
P – Este modelo é replicável para outras empresas portuguesas?
R – Perfeitamente, desde que sejam criadas as condições para isso. Relembro que tem de haver uma confiança muito grande entre as duas partes. Entre nós existe uma cultura de troca constante de informações e os problemas são resolvidos antes de se tornarem grandes incêndios. São apagados à nascença precisamente porque essa cultura de comunicação existe. E existe uma cultura de confiança. Quando dizemos que não pode ser ou quando a outra parte diz que não pode ser é porque de facto é assim. Ou seja, evitamos fazer políticas. Atacamos mais os problemas em concreto.
P – Quando a administração tem a informação de que vai haver uma quebra de produção e há pessoas que têm de ir para casa isso não é dito como um facto consumado?
R – Não. Praticamente todas as semanas há uma reunião das diferentes áreas com a Comissão de Trabalhadores e uma vez por mês com a administração. Uma das informações passadas é precisamente essa, se o programa está a subir ou a baixar, se temos pessoal em excesso ou não. Todas essas discussões são previamente tidas nesse fórum e depois procuramos encontrar uma solução.
P – Em 2016, a Autoeuropa vai produzir um novo modelo, implicando um investimento de quase €700 milhões e a criação de cerca de 500 postos de trabalho diretos. Isso é a garantia de que a Autoeuropa se vai manter por muitos anos em Portugal?
R – Temos os próximos anos assegurados claramente. Mas é importantíssimo que se mantenha este espírito de luta para garantir constantemente as melhores condições de competitividade. É isso que nos vai garantir o futuro.
P – O mercado europeu vai crescer para absorver essa produção?
R – O mercado europeu em si não vai crescer muito, mas o segmento onde nós vamos apostar vai crescer.
P – São carros mais desportivos?
R – São carros mais jovens. São carros para um segmento que está neste momento a crescer. Espera-se que o mercado dos SUV cresça 25% até 2018 e 2019 e é nesse segmento que estamos a apostar.
P – A gestão portuguesa é mais facilmente adaptável a diferentes culturas e latitudes?
R – O nosso carácter e universalidade de espírito torna-nos mais adaptáveis a outras latitudes. Falo disto com conhecimento de causa. Conheci outras culturas, alemã, espanhola, e nenhuma delas tem tanta capacidade de adaptação como os portugueses têm. E isso é um “ativo” para os gestores portugueses, o facto de entenderem as culturas e se adaptarem melhor às diferentes localizações.
P – Isso é apreciado pelos empresários alemães?
R – É, de facto, apreciado. Eles ficam espantados com a nossa flexibilidade para nos movimentarmos, que é fora do comum. Ficam espantados com a nossa capacidade para falarmos línguas. Muito provavelmente um gestor português falará três, quatro línguas, no mínimo. E isso para eles é um pouco fora do comum e é claramente uma mais-valia.
P – Apesar da crise que o país atravessou, os gestores portugueses continuam a merecer a confiança dos investidores alemães?
R – Os profissionais são avaliados pelas respectivas estruturas e empresas e são considerados bons profissionais. Não tem muito a ver com Portugal ser um país menos bem gerido. E, portanto, quando se tomam decisões, tomam-se em função dos resultados que os profissionais conseguem. Penso que a associação da imagem Portugal-português aí não cabe.
P – E em matéria de leis laborais?
R – Não estamos mal. Penso que competimos bem neste momento em termos de legislação laboral na Europa. Há países mais protecionistas e outros menos. Aliás, dir-lhe-ia que existe bastante flexibilidade comparado com os países mais protecionistas como a França e a Alemanha.
P – E o que é que se tem em conta quando se decidem os aumentos salariais?
R – Aqui em Portugal o que temos em conta é sobretudo a questão da produtividade, porque a inflação é praticamente nula e aí não há discussão. A política que temos seguido nos últimos anos é ligar a produtividade aos aumentos salariais. Portanto, tudo o que nós damos tem de ser compensado com produtividade. Isso tem-nos permitido inclusive igualar a Europa de Leste ou ficar mesmo abaixo de alguns países, onde os custos salariais têm subido bastante, como a Polónia, a República Checa ou mesmo a Eslováquia. Nós já estamos mais baratos, em termos de mão de obra, do que esses países. Ou seja, em dez anos, houve uma inversão completa dessa situação. Isso para nós é uma vantagem para competir com os países de Leste.
P – Está a falar da questão salarial. Mas há outros factores de produtividade que sejam decisivos?
R – Conseguimos índices de qualidade e de produtividade superiores aos países de Leste.
P – Isso é devido a quê?
R – É devido a uma melhor organização, a uma melhor aposta no desenvolvimento dos recursos humanos. Nós hoje temos recursos humanos qualificados, que nos permitem retirar dos processos uma melhor produtividade que alguns países de Leste.
P – Relativamente à actividade da Autoeuropa em 2014 – em que produziram 102.250 veículos -, como espera fechar o ano de 2015?
R – Fechará no mesmo nível.
P – A produção não caiu em relação a 2014?
R – Praticamente nada.
P – Portanto, exporta 99,1% da produção?
R – Exatamente.
P – Do cluster de fabricantes portugueses de componentes automóveis ao Grupo Volkswagen a maioria fornece fábricas que estão fora de Portugal, num valor da ordem dos €7 mil milhões. A Autoeuropa pode funcionar como embaixador desses fornecedores para produzir para mais fábricas?
R – Sim, é aproximadamente esse o valor global. Quando um fornecedor é acreditado para a Autoeuropa fica certificado para todo o grupo. Também há bastantes fornecedores portugueses que não são fornecedores da Autoeuropa e fornecem para outras fábricas do grupo Volkswagen. Temos um grupo de compras local que tem como função procurar fornecedores em Portugal para a Volkswagen. Há fornecedores portugueses da Audi ou da Porsche que não produzem para a Autoeuropa. Isso resulta do trabalho do nosso grupo de compras local.
P – Em relação ao seu trabalho nas fábricas do Brasil, como serão modernizadas?
R – A VW quer introduzir as plataformas MQB a nível mundial até ao final desta década e o Brasil não é exceção à regra. Nos próximos anos vão receber estas novas tecnologias.
“Novo projecto será maior do que o previsto”
O novo investimento de €700 milhões, “criará mais postos de trabalho do que os 500 inicialmente referidos” diz Melo Pires
O próximo ano não será fácil para os 3572 trabalhadores da Autoeuropa, reconhece o seu director-geral, António Melo Pires, deixando em aberto a dúvida sobre a manutenção de dois ou três turnos de produção até ao fim de 2016. Diz mesmo que “o próximo ano vai ser bastante difícil”, mas deixa uma mensagem de esperança: “Vamos preparar a fábrica para um novo lançamento”. Para já, tem condições de garantir que “os trabalhadores que temos hoje, que são de mais de 3500, vão manter-se em 2016”, mas para isso – diz – “teremos de arranjar medidas de compensação, como já arranjámos no passado, como temos neste momento, em que cerca de 314 pessoas estão fora, a trabalhar em outras fábricas do grupo”. Também adverte que o acordo de empresa recentemente firmado prevê que até Setembro de 2016 não haverá despedimentos, mas explica que isso só acontecerá “se as atuais condições se mantiverem”. As boas perspetivas para a Autoeuropa relacionam-se com o investimento contratualizado de cerca de €700 milhões, que já está em curso. “Previa a contratação de mais trabalhadores, mas isso não será já em 2016. Vai acontecer e até eventualmente será de mais de 500 trabalhadores. Vamos começar as contratações em 2017, e continuarão em 2018 e eventualmente em 2019”, revela.
Trata-se da introdução de uma nova plataforma de produção que dá para fabricar vários carros. O projecto começará com um modelo e isso será igualmente benéfico para os fornecedores portugueses de componentes, refere Melo Pires.
ACERCA DE …
- CHINA ABRANDA
“O mercado da china está bastante difícil. A importação de automóveis está a ser dificultada e todas as marcas estão a sentir isso, nomeadamente pelas barreiras alfandegárias e administrativas”. - CLUSTER FORTE
“O cluster automóvel português, que inclui todos os fornecedores de componentes, é uma realidade. Diria que é talvez o principal cluster da indústria exportadora em portugal. Hoje é um cluster forte”. - ALEMÃES SÃO FÃS
“As empresas alemãs que estão em Portugal são todas rentáveis, apresentam todas bons resultados e, dentro dos seus grupos, são as unidades mais produtivas e mais eficientes”. - BUROCRACIA
“A burocracia continua a ser apontada como um fator negativo pelos estrangeiros. A complexidade da legislação e o tempo para obter licenças. Houve progressos na justiça, mas é necessário fazer mais para dar uma imagem de eficiência”.