Economia Assegurar a recuperação com meios escassos
Desafios A perda da digitalização e a ausência dos fundos para dinamizar a economia e as empresas são algumas das limitações que o novo ministro terá de enfrentar. Mantém o Banco de Fomento, essencial para garantir linhas de crédito, e terá no turismo um dos seus trunfos
in Expresso, por Anabela Campos, Margarida Cardoso e Pedro Lima, 31-03-2021
Apesar de ter ganho a pasta do mar, António Costa Silva, o novo ministro da Economia, recebe um Ministério que tem vindo a esvaziar-se. Já tinha perdido a energia quando passou dos ministros Manuel Caldeira Cabral para Pedro Siza Vieira e agora perde a digitalização, que fica na tutela direta de António Costa mas é considerada um instrumento relevante na articulação da inovação (que se mantém na Economia) com as startups. Muita da inovação das empresas é digitalização, e sem ela os instrumentos criados ficam coxos. O novo ministro mantém a área do turismo — relevantíssima para a economia portuguesa — e o comércio e serviços. E se a tutela do mar lhe dá a possibilidade de trabalhar numa área que lhe é cara e sobre a qual tem experiência, vem sem as pescas e sem os portos, o que limita o seu raio de ação. O que poderá fazer Costa Silva para dinamizar um recurso que Portugal não tem sabido explorar nas últimas décadas é a questão que se coloca. “Sempre que se virou para o mar, o país prosperou”, chegou a dizer numa entrevista.
Pôr a economia a crescer de forma sustentável, resolvendo os nós que há anos dificultam o investimento e a criação de riqueza, não será tarefa fácil, a que acresce um novo desafio: a guerra na Ucrânia, com consequências já visíveis no aumento dos preços da energia e das matérias-primas. Mas se há alguém com a lição estudada sobre as vias potenciais para o crescimento da economia é António Costa Silva. Foi ao novo ministro que foi pedida a elaboração da Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, que está na base do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). E ainda que não tenha ficado com a pasta dos fundos europeus — o PRR ficou com a ministra Mariana Vieira da Silva —, cabe-lhe, nessas funções, tentar puxar pela economia — e pelo sector da energia, no qual é especialista. Só que nesta fase é a situação de emergência e a coordenação dos apoios às empresas que terá de concentrar as suas atenções. Os pedidos vêm de várias áreas e são conhecidos — a CIP tem insistido no regresso do lay-off simplificado, algo que o Governo já recusou. Dificilmente se conseguirá chegar a todo o lado. Em julho de 2020, Costa Silva tinha já o diagnóstico feito, conforme disse ao Expresso: “Um mercado interno limitado; inúmeras empresas descapitalizadas e que se financiam através de dívida; um Estado com uma dívida pública elevada que funciona muitas vezes como uma ‘espada de Dâmocles’ inibidora do crescimento; uma estrutura produtiva ainda pouco diversificada e que não explora nem desenvolve a capacidade industrial do país; uma produtividade baixa; um nível de fiscalidade desadequado, que limita a capacidade operativa das empresas; um nível baixo de investimento.”
Vencer a resistência ao investimento em Portugal e na relação com as empresas será um dos seus objetivos. Ao jornal “Público”, em 2018, na qualidade de presidente da Partex, empresa de petróleos da Fundação Gulbenkian vendida em 2019, queixava-se da resistência à exploração de gás natural no país, declarando que “vivemos num país que tem uma fraquíssima inteligência estratégica, pensa pouco e está absorvido pelo curto prazo”. Lamentava o que dizia ser “uma espécie de clima de hostilidade em relação às empresas, mas são elas que criam riqueza”. Não tendo os fundos do PRR, uma das questões que se coloca é a de saber se mantém o Compete e com o que é que fica do Portugal 2030. São habitualmente competências da Economia e nada indica que deixem de ser. É aqui que estão os fundos que permitem criar as linhas de apoio e incentivos para as empresas, nomeadamente em matéria de inovação e de investimento. Costa Silva fica com o Banco de Fomento, a menina dos olhos de Siza Vieira. E tem um berbicacho para resolver: a privatização da Efacec, dossiê que se arrastou além do previsto, numa empresa onde tem havido um agravamento dos prejuízos e degradação das receitas, continua pendente. O Banco de Portugal questionou a legalidade das garantias dadas pelo Banco de Fomento ao financiamento da Efacec, e o problema ainda está por resolver. O novo ministro chega à Economia com secretários de Estado que não escolheu. João Neves, secretário de Estado da Economia, e Rita Marques, secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, são herdados de Pedro Siza Vieira. Para a Secretaria de Estado do Mar, a escolha recaiu sobre José Maria da Costa, um engenheiro químico que presidiu à Câmara Municipal de Viana de Castelo entre 2009 e 2017.
DIGITALIZAR E QUALIFICAR, PEDEM EMPRESÁRIOS
Do lado de algumas associações empresariais, a tónica vai para a digitalização, competitividade, produtividade e qualificação. O presidente da AEP — Associação Empresarial de Portugal, Luís Miguel Ribeiro, diz que “o grande desafio do novo ministro é olhar para a indústria como o sector por excelência dos bens transacionáveis e o que mais contribui para elevar a capacidade exportadora”. “Importa inovar e elevar a competitividade, o grande problema do país nas duas últimas décadas.” Já Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP — Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal, defende que “é fundamental acelerar o processo de digitalização tendo em conta as necessidades de qualificação/requalificação dos portugueses”.
O presidente da ATP — Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, Mário Jorge Machado, considera que o foco tem de ser colocado no “crescimento da produtividade, para invertermos a trajetória que nos está a levar para a cauda da Europa no que respeita ao PIB per capita”. E para a AFIA — Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel, “o fundamental é avançar com a modernização industrial”, mas a logística é outro ponto prioritário: “É fundamental evitar a insularidade de Portugal, que implica correr o risco de chegar aos mercados de destino de forma cada vez menos competitiva. Se estamos mais longe e mais caros, perdemos margem nas exportações”, diz José Couto.
DESAFIOS
- Encontrar formas imediatas de apoio de emergência às empresas alternativas depois de o lay-off simplificado ter sido recusado pelo Governo
- Criar medidas que ajudem a promover a produtividade das empresas (que se mantém baixa), lutar pela promoção de um nível de fiscalidade empresarial mais adequado e voltar a atrair os grandes investimentos privados para Portugal
- Agilizar o Banco de Fomento e conseguir que seja uma forma eficaz de financiar as empresas
- Ajudar a promover a produtividade e qualificação das empresas portuguesas
- Desenvolver a economia do mar
- Estabilizar a situação da Efacec
António Costa Silva, o estratego do PRR, tem como missão apoiar as empresas e atrair investimento
FOTO TIAGO MIRANDA