Pré-aviso de greve de dez dias nos portos nacionais causa apreensão nos industriais. Governo já se reuniu com sindicato e garante ao ECO que “está a envidar todos os esforços para aproximar posições”.
in ECO, por Fátima Castro, 31-05-2024
O Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações Portuárias anunciou uma greve de dez dias, que arranca a 4 de junho e que se prolonga até 28 de junho, abrangendo os portos do continente, Madeira e Açores. A perspetiva de paralisação nos portos portugueses está a deixar “apreensivos” os industriais ouvidos pelo ECO e que dependem da via marítima para o abastecimento de matérias-primas e para a exportação de mercadorias para destinos fora da Europa.
O setor da metalurgia e metalomecânica, o mais exportador da economia portuguesa, com vendas a rondar os 24 mil milhões de euros em 2023, mostra-se “inquieto” com esta greve, tendo em conta que 30% das suas exportações são expedidas por mar. O vice-presidente executivo da associação do setor (AIMMAP), refere que “haverá seguramente constrangimentos” e “em muitos casos não haverá alternativas”. Outras soluções, como o recurso aos portos espanhóis “ou não são sequer exequíveis ou encareceriam substancialmente os preços, reduzindo competitividade à oferta” das fábricas nacionais.
Rafael Campos Pereira sublinha que o “impacto efetivo da greve dependerá da dimensão, nomeadamente o período de tempo durante a qual se prolongará”, mas calcula que os prejuízos podem ser “relevantes”. “As empresas têm prazos a cumprir e ficarão sujeitas a penalizações se não o fizerem”, alerta o porta-voz da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal.
Para outro setor fortemente exportador, como é o caso do têxtil e vestuário, que perdeu 5,6% das exportações em 2023, esta greve vai trazer “consequências” e “causar seguramente prejuízos quer pela importação, quer pela exportação”, como destaca o vice-presidente da ATP, Jorge Pereira. “Os contentores, ao ficarem retidos com as matérias-primas, além de terem custos acrescidos, têm [impactos] indiretos porque vai agravar os atrasos que já acontecem junto dos clientes do têxtil”. “Isto é muito mau para a reputação do setor”, assegura Jorge Pereira, em declarações ao ECO.
No caso das vendas ao exterior, o responsável da associação sediada em Vila Nova de Famalicão e liderada por Mário Jorge Machado nota que “se as empresas não conseguirem fazer os despachos e envios atempadamente, a mercadoria vai chegar mais tarde aos clientes”. Lembra que “isto é um ciclo” e que “os atrasos na importação acabam sempre por prejudicar a exportação” nesta altura de transições de coleções.
A Associação Empresarial de Portugal (AEP) não tem dúvidas que esta greve ” vai gerar dificuldades acrescidas para as empresas e, consequentemente, para a economia portuguesa”, num período já marcado por alguma instabilidade nas cadeias de abastecimento, principalmente no transporte marítimo, provocado pelas tensões geopolíticas. A associação liderada por Luís Miguel Ribeiro contabiliza que 70% da atividade económica está relacionada com o comércio internacional de bens, por via das exportações ou das importações.
No caso das vendas ao exterior, o responsável da associação sediada em Vila Nova de Famalicão e liderada por Mário Jorge Machado nota que “se as empresas não conseguirem fazer os despachos e envios atempadamente, a mercadoria vai chegar mais tarde aos clientes”. Lembra que “isto é um ciclo” e que “os atrasos na importação acabam sempre por prejudicar a exportação” nesta altura de transições de coleções.
A Associação Empresarial de Portugal (AEP) não tem dúvidas que esta greve ” vai gerar dificuldades acrescidas para as empresas e, consequentemente, para a economia portuguesa”, num período já marcado por alguma instabilidade nas cadeias de abastecimento, principalmente no transporte marítimo, provocado pelas tensões geopolíticas. A associação liderada por Luís Miguel Ribeiro contabiliza que 70% da atividade económica está relacionada com o comércio internacional de bens, por via das exportações ou das importações.
Na ressaca de um ano em que as exportações portuguesas de mobiliário superaram os dois mil milhões de euros, um aumento de 11% face ao ano anterior e um máximo histórico, Gualter Morgado, diretor executivo da Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA), relativiza o impacto nos envios para um setor em que “a maioria das exportações sai via terrestre”. Porém, assinala que a paralisação “poderá ter mais impacto no atraso de importação de algumas matérias-primas” e, consequentemente, “atrasar as produções”.
Também a indústria do calçado, que recentemente ultrapassou a rival Espanha ao nível da produção, exporta mais de 90% da sua produção, mas a maioria das mercadorias é transportada por via terrestre, pelo que, a esse nível, os empresários esperam que a greve não tenha um “particular impacto na atividade”. Ainda assim, Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da associação do setor (APICCAPS) alerta que “esta greve chega num momento de grande atividade exportadora e, por esse motivo, constitui um motivo de apreensão“.
José Couto, presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), relata que esta grave irá causar “algum impacto” para os construtores, tendo em conta que a esmagadora maioria usa o transporte por via marítima, afirmando que “neste momento ainda não há alternativas à exportação pela via marítima para fora da Europa”. “Se os construtores ficarem com os parques cheios, não conseguirão fazer chegar os produtos aos mercados externos”, realça o responsável. Em entrevista recente ao ECO, avisou que “a produção de automóveis está a encolher” e as empresas nacionais vão ter de adaptar o chão-de-fábrica”.
Revisão salarial ameaça “encalhar” portos
Esta greve é motivada pela ausência de resposta à proposta de valorização remuneratória para este ano, que foi apresentada pelo sindicato há mais de meio ano. “Neste momento, o que está em cima da mesa é a revisão salarial” explica ao ECO o presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações Portuárias (SNTAP). Serafim Gomes adianta que reivindicam um aumento salarial próximo daquele que foi aplicado ao salário mínimo nacional em 2024 (7,9%), embora admita que é um “valor negociável”.
Serafim Gomes comenta que “só se chega a uma situação de greve quando não resta outra possibilidade e quando o setor se sente encurralado”. O líder do sindicato evidenciou a gravidade do impacto desta greve em todo país e, particularmente, na Madeira e Açores, com constrangimentos nos abastecimentos provenientes do continente, ainda que estejam garantidos os serviços mínimos nesta greve marcada para os dias 4, 5, 8, 9, 12, 13, 18, 19, 27 e 28 de junho.
Já a Associação dos Transitários de Portugal (APAT) “lamenta esta greve” numa altura que “os portos começam a ter alguma paz e boa fluidez nas cargas de exportação e importação”. “Vimos de um período de crise e precisamos de todos os players desta cadeia a trabalhar no mesmo objetivo, que é angariar e continuar a movimentar carga, ajudando as exportações de que o país precisa, diz António Nabo Martins, presidente executivo da APAT, em declarações ao ECO.
Os portos portugueses terminaram o ano passado com uma nova quebra de 2,2% na movimentação de cargas, mas ganharam quota aos rivais espanhóis. No entanto, como lembra António Nabo Martins, algumas infraestruturas, como é o caso de Lisboa ou de Sines, estão a aumentar novamente a movimentação da carga e cresceram no arranque deste ano. Até face a esta trajetória, completa, “era importante que não houvesse nenhum acontecimento que invertesse esse crescimento”.
Na ótica nos transitários, entre as principais perturbações estão “os navios não atracarem e não movimentarem a carga”, os “custos adicionais por não atracarem” e “se a greve for muito demorada, muitos navios poderem escolher outros portos para descarregar e carregar”. O que “poderá fazer com que as empresas portuguesas tenham de ir buscar as mercadorias a outros países”. Nabo Martins espera ainda “que a carga das ilhas não venha a ser afetada”.
Ainda assim, o porta-voz da APAT compreende o direito à greve dos trabalhadores, apelando ao “bom senso de todos os intervenientes neste processo, desde os trabalhadores, às administrações portuárias e à tutela”. Contactado pelo ECO, o Ministério das Infraestruturas e Habitação, liderado por Miguel Pinto Luz, adiantou já se ter reunido com o SNTAP e, através de fonte oficial, garantiu que “está a envidar todos os esforços para aproximar posições”.
Tal como os transitários, o líder da AEP, que foi reconduzido na liderança da associação com 95% dos votos, “apela ao sentido de responsabilidade e dever das partes envolvidas para que seja imediatamente retomado o diálogo e encontradas as soluções para um problema que é de todos”. Luís Miguel Ribeiro salienta a “necessidade de garantir a suspensão desta greve em todos os portos nacionais e mitigar, assim, possíveis impactos económicos negativos mais abrangentes”.
À semelhança da Associação dos Transitários, a Associação dos Agentes de Navegação de Portugal (AGEPOR) já veio criticar esta nova greve dos trabalhadores das administrações portuárias, insistindo na concessão ou licenciamento de serviços portuários. A associação lembra que os portos nacionais estão a crescer em contraciclo, à boleia da crise no Mar Vermelho, e criticou o SNTAP por “ações que prejudiquem o esforço de todos os outros atores do setor”.
Em comunicado, os agentes de navegação criticaram, desde logo, o timing da greve, com “um Governo em início de mandato, com inúmeros problemas por resolver (…), usando a situação como forma de pressão [e] não tendo em consideração os prejuízos que os cancelamentos de escalas irão causar”.
A associação notou ainda que “dezenas de milhar de passageiros de cruzeiro irão ser prejudicados”. Acusa o sindicato de saber os prejuízos que a greve irá causar: “navios de passageiros e de carga cancelarão as suas escalas nos portos portugueses”, “as cargas chegarão mais tarde e com maior custo ao seu destino”, “alguns armadores porão em causa, no imediato e no futuro, a continuidade dos serviços que operam nos portos portugueses”.
Em resposta à AGEPOR, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações Portuárias disse que “não aceita que haja quem prefira poder dispor, a seu bel-prazer, do trabalho precário, desregulamentado, com trabalhadores totalmente desprotegidos e que não possam defender os seus legítimos interesses”, recordando que “estão em causa os legítimos interesses de mais de 800 trabalhadores”.
De acordo com o documento enviado ao Governo, secretarias regionais e administrações portuárias, os trabalhadores dos portos do continente, Madeira e Açores vão estar em greve “das 00:00 do dia 4 de junho até às 24:00 do dia 5 de junho”, “das 00:00 do dia 8 de junho até às 24:00 do dia 9 de junho”, “das 00:00 do dia 12 de junho de 2024, até às 24 horas do dia 13 de junho”, “das 00:00 horas do dia 18 de junho, até às 24:00 horas do dia 19 de junho” e “das 00:00 horas do dia 27 de junho de 2024, até às 24:00 horas do dia 28 de junho”.
O Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações Portuárias afirma que uma eventual desconvocação da greve está dependente de respostas concretas, objetivas e atempadas por parte das administrações portuárias e da tutela, às propostas apresentadas pelo SNTAP a 23 de outubro de 2023 e que incluí a reivindicação de atualização da tabela salarial.
Em dezembro de 2022, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações Portuárias (SNTAP) convocou uma greve de vários dias. Na altura, a estrutura sindical acusava as administrações portuárias de mostrar uma “ausência total de disponibilidade” para dialogar sobre a proposta de revisão salarial para o ano seguinte, com os transitários a estimar que a greve dos trabalhadores das administrações portuárias teria um impacto diário de “100 a 150 milhões” na economia portuguesa.