A indústria automóvel portuguesa soma despedimentos, com deterioração da economia alemã. Mas há mais sectores em alerta e quadro vai agravar-se, dizem os patrões
in Expresso, por Cátia Mateus, Manuela Cardoso, 19-12-2024
Há muito que a Europa já sinalizava os riscos. E o próprio governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, chegou a lançar o alerta quanto a uma possível deterioração do mercado de trabalho europeu decorrente da situação económica na Alemanha. Mas em Portugal o mercado laboral foi mantendo a resiliência, com a população empregada em níveis recorde e o desemprego estável nos 6,1%. Nas últimas semanas, porém, sucederam-se casos de empresas a encerrar, avançando para despedimento coletivo, ou a suspender temporariamente a atividade, deitando mão ao mecanismo de lay-off, previsto no Código do Trabalho (CT) para apoiar empregadores em situação de crise empresarial. Do têxtil ao sector automóvel, são vários os casos.
A primeira campainha de alarme veio da Coindu, têxtil fabricante de assentos para automóveis, que declarou este mês o encerramento da fábrica de Arcos de Valdevez, avançando para o despedimento coletivo de 350 trabalhadores. Seguiu-se o pedido de insolvência da Cablerías, fabricante de cabos para componentes automóveis, com 250 trabalhadores. Ainda na área dos componentes, a Ficosa, na Maia, anunciou um lay-off que abrange mais de 700 profissionais, a japonesa Uchiyama admitiu também a possibilidade de lay-off e a espanhola Gestamp, fabricante de carroçarias, em Vila Nova de Cerveira, recorreu ao banco de horas. Os economistas ouvidos pelo Expresso admitem que a conjuntura do sector automóvel inspira maior preocupação. As associações empresariais falam em necessidade de agilidade na resposta e os sindicatos seguem atentamente a evolução dos números.
Os últimos dados disponíveis reportam ao mês de outubro e sinalizam que, a dois meses do fecho do ano, o número de processos de despedimento coletivo iniciados pelas organizações (408) estava próximo de superar o total de despedimentos coletivos registados no ano passado (431), mas o número de trabalhadores abrangidos já superava largamente o total do ano passado. Até outubro deste ano foram abrangidos por despedimento coletivo 5253 trabalhadores, mais 38% do que os 3819 contabilizados em todo o ano de 2023. Destes, 4959 foram efetivamente despedidos, mostram os dados compilados pelo Expresso junto da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT).
Considerando apenas o mês de outubro, as indústrias transformadoras respondem por 31% dos despedimentos realizados, seguidas pelo comércio (20%) e pelo alojamento, restauração e similares (16%). Na maioria dos casos a motivação foi a redução de pessoal (71%), seguida do encerramento da atividade (35,7%). No mesmo mês, o país contabilizava 342 empresas em lay-off, abrangendo 6280 trabalhadores, a maioria com redução do horário de trabalho.
Cenário pode agravar-se
De lá para cá, as notícias dão conta de um agravamento da situação, com vários despedimentos coletivos e lay-offs comunicados desde o início de dezembro. E as perspetivas das associações empresariais vão no mesmo sentido. “Há cada vez mais associados a contactarem-nos com perguntas sobre o lay-off e as condições para o despedimento coletivo”, diz Mário Jorge Machado, presidente da ATP, associação do sector têxtil, admitindo uma quebra nas encomendas e uma pressão crescente sobre os preços, traduzidos em casos como os de Lousada, que acaba de perder 440 postos de trabalho no encerramento das empresas Leuman (90), SN1 e SN2 (350).
José Couto, presidente da AFIA, associação da área dos componentes para automóveis, cita um estudo para sublinhar que a produção europeia do sector está 20% acima das necessidades e exige ajustes. “Se os clientes baixam a produção, temos também de nos ajustar. A conjuntura é grave. As perspetivas para o arranque de 2025 não justificam otimismos, mas o que cada empresa vai fazer só depende dela.”
O presidente da Associação Empresarial do Minho, Ramiro Brito, admite que, “inevitavelmente, vamos ter mais desemprego”, mas, “se o Minho parece ser uma das regiões mais afetadas no momento, o problema não é exclusivamente sectorial, nem regional, nem português”. Aliás, o impacto no emprego em Portugal poderá ser atenuado pelo facto de muitas empresas estarem a subcontratar nos segmentos com mais exigência de mão de obra no Norte de África, para ganharem competitividade em termos de preços, assume. O fundamental nesta fase “é ser perspicaz e estar atento aos sinais para reagir”. Quanto a tendências, a experiência mostra que “as insolvências vão ser dominantes, porque a regra é tentar levar o negócio ao limite na tentativa de o salvar”.
Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal, assume também preocupação, antecipando que o cenário possa agravar-se “não só em Portugal, como na Europa”. E reforça: “Portugal especializou-se durante muito tempo em baixo custo, e isso deixou de ser competitivo. Precisamos de começar a competir em nichos de mercado de valor acrescentado, com inovação, produtividade e competitividade, e muitas empresas não estão a conseguir fazer esse caminho.”
Cautelas sindicais
Do lado sindical, o discurso é contido. A palavra de ordem é “evitar o dramatismo, porque trabalhadores com medo estão menos dispostos a lutar”, vinca um dirigente sindical, pedindo para não ser identificado. “No atual contexto, as situações de alguma instabilidade estão relacionadas com aspetos de estratégia de algumas empresas e devem exigir um olhar atento do Governo”, limita-se a comentar Rogério Silva, coordenador da Fiequimetal, federação sindical que abrange as indústrias metalúrgicas e elétricas. Andrea Araújo, dirigente da CGTP, considera haver uma “tendência de crescimento nos processos de despedimento coletivo”, que afeta maioritariamente “trabalhadores de pequenas empresas”, mas nota que “temos assistido em alguns sectores à absorção destes trabalhadores, e o têxtil é disso exemplo”. Já Isabel Tavares, dirigente da FESETE, reconhece que a última reunião desta federação que junta sindicatos das indústrias têxtil e do calçado “registou preocupação face aos encerramentos, insolvências, lay-offs e despedimentos coletivos, mesmo não havendo números para retratar o quadro atual”. “Resta esperar que entre encerramentos e criação de novas empresas o saldo seja positivo”, acrescentou.
Os economistas admitem preocupação, sobretudo em relação ao sector automóvel. “Ao contrário do têxtil, onde os trabalhadores dispensados são reabsorvidos pelo mercado com maior rapidez, a reintegração dos profissionais da indústria automóvel, mais qualificados e com competências muito específicas, não é tão ágil”, segundo João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. E embora o economista Pedro Martins, ex-secretário de Estado do Trabalho e professor na Nova SBE, sublinhe que “o mercado de trabalho nacional parece continuar estável”, aponta que “o grande desafio neste contexto é a capacidade das políticas públicas, nomeadamente junto do IEFP e da Segurança Social, de apoiarem rapidamente o reencaminhamento e a requalificação dos profissionais que estejam a perder os seus empregos”. “É muito importante que estes indivíduos possam trabalhar em outras empresas e sectores que estejam com dificuldade em recrutar, muitos dos quais poderão, inclusive, passar a auferir remunerações mais elevadas.”
P&R
O que é um despedimento coletivo?
- É uma das várias modalidades previstas no Código do Trabalho (CT) para cessação de contrato. A legislação nacional enquadra como despedimento coletivo a extinção de contratos de trabalho promovida pelo empregador quando esta seja realizada de forma simultânea ou sucessiva durante um período de três meses. Para ser considerado um despedimento coletivo tem de abranger um rácio específico de trabalhadores, variável consoante a dimensão da empresa: dois trabalhadores em microempresas (menos de 10 funcionários) ou pequenas empresas (10 a 49) e cinco em médias empresas (249 trabalhadores) ou grandes empresas (mais de 250).
Qualquer empresa pode fazer despedimento coletivo?
- Não, o despedimento coletivo tem obrigatoriamente de ser fundamentado com o imperativo de encerramento de uma ou várias secções da empresa (ou estruturas equivalentes) ou a necessidade de redução do número de trabalhadores. Contudo, a lei determina que o empregador só pode deitar mão a esta fundamentação quando confrontado com um conjunto de cenários específicos, como sejam motivos de mercado (como a diminuição da atividade da empresa gerada pela redução da procura de bens ou serviços), fundamentos estruturais (reestruturações geradas por desequilíbrio económico-financeiro ou mudança de atividade) ou causas tecnológicas (alterações de técnicas de fabrico, por exemplo).
Que direitos tem um trabalhador alvo de despedimento coletivo?
- O trabalhador abrangido num processo de despedimento coletivo tem direito à compensação correspondente a 14 dias de retribuição-base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade na organização. Contudo, o CT determina que o valor da retribuição-base mensal e diuturnidades do trabalhador a considerar para efeitos de cálculo da compensação não pode ser superior a 20 vezes a retribuição mínima mensal garantida (RMMG), ou seja, €16.400 em 2024.
E o lay-off em que consiste?
- O lay-off é também um mecanismo previsto no CT que permite às empresas que atravessam dificuldades económicas ou outros constrangimentos na sua operação suspender os contratos dos seus funcionários ou reduzir o número de horas de trabalho habituais de forma temporária e contando com o apoio da Segurança Social no pagamento de salários, evitando assim a extinção de postos de trabalho ou o despedimento coletivo.
Que constrangimentos é que o lay-off gera para os trabalhadores?
- Numa situação de lay-off, os trabalhadores veem garantidos todos os seus direitos, mas têm sempre uma redução do rendimento. Ao funcionário são garantidos, pelo menos, dois terços do seu salário habitual, não podendo exceder o equivalente ao triplo do salário mínimo nacional (SMN), ou seja, €2460 (3x€820). Se a sua remuneração normal for inferior ao SMN, recebe durante o período de lay-off o valor correspondente ao SMN, sendo €820 em 2024.