Sector com 75 mil trabalhadores começa esta semana a negociar com o executivo. Sindicatos apanhados de surpresa. Nas fábricas que concentram a maioria dos 75 mil trabalhadores do sector a retoma é “ilusória”.
in Público, in Victor Ferreira, 21-07-2020
A Autoeuropa, em Palmela, fechou ontem para férias, numa altura em que ainda não tinha retomado toda a produção pré-pandemia. A empresa disse aos trabalhadores para voltarem no dia 17 de Agosto e prometeu retomar os quatro turnos do fim-de-semana, que continuavam suspensos, no dia 24 de Agosto. Apesar da retoma débil no sector dos carros, por agora ninguém fala em mais layoff na fábrica da Volkswagen em Portugal.
Em Mangualde, cenário é semelhante na fábrica do grupo PSA. Fecho para férias só em Agosto e até lá trabalha-se a todo o vapor — nesta unidade já se recuperou os níveis de produção que existiam antes da pandemia e do layoff simplificado.
Mas Palmela e Mangualde são duas excepções. O resto da indústria automóvel, sobretudo nas fábricas que concentram a maioria dos 75 mil trabalhadores do sector e que produzem componentes, diz que a retoma é “ilusória”. São 59 mil empregos, dos quais 12 mil podem desaparecer, entre o que resta de 2020 e o próximo ano, como já tinha alertado o presidente da associação das fábricas de componentes, José Couto. Por isso mesmo, a notícia adiantada pelo Expresso no sábado, de que poderá haver layoff simplificado por mais tempo, rasgou uma nova via para as negociações com o Governo que, segundo apurou o PÚBLICO, começam esta semana.
Representantes da indústria, do Ministério do Trabalho e do Ministério da Economia, já estiveram reunidos, na última quinta-feira, em Lisboa.
“Aquilo que transmitimos ao Governo é que estamos muito preocupados com esta retoma ilusória, este arranque ilusório da indústria, porque a segunda metade do ano pode vir a ser ainda pior”, resume ao PÚBLICO o presidente do cluster automóvel de Portugal, Jorge Rosa, que é também o CEO da fábrica de camiões Mitsubishi Fuso, no Tramagal (Abrantes), detida pela Daimler.
As três partes chegaram então a acordo de que devem olhar com mais cuidado para outras soluções. E de que retomariam o tema a partir desta semana em reuniões de trabalho. Porém, nessa altura ainda não se sabia que o Governo admite, afinal, prolongar o layoff simplificado, que deveria terminar no fim de Julho.
Sindicatos surpreendidos
Ao Expresso o ministro da Economia explicou que esse cenário seria equacionado, para “empresas com quebras significativas de facturação”, mas deixou em aberto tudo o resto: quanto tempo mais, qual o nível de quebra necessário, para quando a decisão. O PÚBLICO contactou o gabinete de Siza Vieira, com essas perguntas, mas o ministro não esteve disponível.
Para os sindicatos, o anúncio do fim-de-semana foi uma surpresa, diz Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT. “É uma solução que desconhecemos”, sublinha este representante. “Na última reunião da Concertação Social, a senhora ministra do Trabalho disse que o layoff simplificado só continuaria disponível para empresas que continuam fechadas por imposição legal”, afirma.
Do lado do patronato, todo defendiam o layoff simplificado até ao final do ano. A Confederação Empresarial de Portugal, que aglutina sectores importantes, já o tinha dito, tal como a Confederação do Turismo, que se reuniu com António Costa e Siza Vieira no dia 9 e que, na semana passada, insistiu que a medida “mais urgente” de qualquer plano de retoma é o “prolongamento do layoff simplificado até Dezembro, abrangendo a totalidade dos ramos turísticos”.
Para os empresários, o problema reside numa retoma fraca, o que ameaça a eficácia do mecanismo de apoio à retoma do emprego, concebido pelo Governo como sucedâneo do layoff simplificado. Com esta solução, as empresas teriam apoio em função da quebra do negócio, mas sem poderem suspender contratos de trabalho. O problema, dizem, é que a quebra ainda é total, em sectores como o dos eventos, ou fica aquém das contas mais optimistas, como no sector automóvel.
Por isso, é de esperar que a porta aberta pelo número dois do Governo para a manutenção do layoff simplificado seja aproveitada nas negociações. Na Europa, de resto, vive-se o mesmo receio de haver despedimentos em massa quando terminar o layoff de emergência. Porém, países como Alemanha optaram logo por prazos mais longos (até ao fim do ano), tal como a França (até ao Outono). E Espanha e Reino Unido já prolongaram ou discutem agora o prolongamento deste mecanismo.
Para a UGT, é o caminho errado e que “continuará a penalizar os trabalhadores”. Sublinhando que as empresas em crise “podem recorrer ao layoff normal”, Sérgio Monte diz perceber “que os patrões gostem do simplificado”. “O simples impõe maior intervenção dos sindicatos e, como vimos, o simplificado permitiu muitos abusos e atropelos à lei.”
Autoeuropa retomará o trabalho a 17 de Agosto, prevendo o regresso a todos os turnos.
Foto: Miguel Manso