Embaixador da China em Portugal avançou com “ideias” que podem mudar o mercado em Portugal
in CNN Portugal, por Tiago Ferreira Resende, 03-06-2025
Portugal poderá em breve tornar-se palco de um investimento industrial de grande escala: a instalação de fábricas de automóveis elétricos chineses. A possibilidade, avançada pelo embaixador da China em Portugal, Zhao Bentang, numa entrevista exclusiva à CNN Portugal, revela que empresas como a BYD estão a ponderar “investir em Portugal”. O impacto económico, político e industrial deste cenário levanta questões sobre o futuro da indústria automóvel portuguesa.
Para Manuel Caldeira Cabral, antigo ministro da Economia, o interesse chinês deve ser acolhido com pragmatismo. “É benéfico. Estamos num mundo fragmentado em blocos e a China já percebeu que para entrar no mercado europeu pode ser mais importante hoje ter fábricas dentro da Europa”.
Já José Couto, presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), afirma que “um investimento de indústria automóvel na área dos construtores é sempre algo positivo para a economia nacional”. “Para além de fabricar em Portugal, seria bom que essas empresas tivessem também como objetivo fazerem compras de componentes em Portugal. Seria a cereja no topo do bolo”, sublinha.
Segundo Zhao Bentang, a China quer mais do que vender carros elétricos ao Ocidente. “No início, a China atraía investimento da Europa para desenvolver a indústria automobilística com sucesso. Agora, a China também quer colaborar com a Europa, não só para vender, para aprender, para conseguir um benefício recíproco, mútuo”, afirmou o diplomata, que avançou ainda que o objetivo passa por investir e cooperar com o mercado europeu.
Mais do que uma questão geoeconómica, o investimento poderá representar um novo fôlego industrial para Portugal. “Ter uma fábrica de automóveis elétricos da empresa que está a crescer mais [no caso a BYD] pode ser interessante. Pode ser interessante ter no nosso país um grande concorrente da Tesla que há uns anos mostrou este mesmo interesse em Portugal”, sublinha Caldeira Cabral, reforçando que o impacto poderá ser significativo para o PIB nacional, especialmente se a unidade tiver dimensão comparável à Autoeuropa: “Esse tipo de fábricas tem um valor acrescentado de 40 a 45%. No caso dos elétricos, até poderá ser superior.”
“O impacto vai depender da dimensão da fábrica. Neste caso, a ideia dos fabricantes chineses pode não ser fornecer Portugal, mas sim um mercado europeu. Por isso, poderíamos esperar uma fábrica de dimensão elevada”, acrescenta Caldeira Cabral.
Também José Couto destaca o impacto económico direto. “Se produzirem o mesmo que a Autoeuropa, poderá haver um impacto importante no PIB português. Estas áreas têm uma importância de 6,5% [no PIB] – expectativas deste ano – e, além de contribuir para as exportações e para o aumento do mesmo, contribui para o valor acrescentado”.
Portugal “deve manter-se aberto” ao país que neste momento é “a fábrica do mundo”. Mas como fica a Europa?
Numa conversa com o diretor-executivo da CNN Portugal, Pedro Santos Guerreiro, na conferência “O Carro do Futuro”, organizada pela CNN Portugal Summit e pelo Standvirtual, o embaixador chinês foi claro ao afirmar que “há ideias” de fabricantes chineses instalarem fábricas automóveis em solo português, mas deixou também um apelo à esfera política. “Esperamos que os governos europeus, e o português, possam tratar as empresas chinesas [de forma equitativa] e sem discriminação, porque as empresas vêm só para abrir mercado, para ganhar junto com as empresas europeias.”
Uma mensagem política que, para Caldeira Cabral, “faz sentido”. “É uma mensagem de que os chineses esperam não ser discriminados. Querem ser tratados de forma idêntica como outros parceiros, algo que faz sentido no contexto em que estamos hoje, tendo em conta o afastamento da atual administração norte-americana da Europa”.
Do ponto de vista da AFIA, a abertura a este tipo de investimento é essencial. “A Europa tem de estar disponível para acolher investimento estrangeiro, nomeadamente chinês. Mas defendemos que é muito importante que não importem componentes, mas recorram à indústria europeia para comprar cá”, sublinha José Couto.
A entrada da China na indústria automóvel europeia não passa despercebida a Bruxelas. Países como a Hungria já foram criticados por estreitar laços industriais com empresas chinesas, e Portugal poderá ver-se envolvido em debates semelhantes. Ainda assim, Caldeira Cabral considera que “a atitude mais correta é manter uma estrutura diversificada de parceiros” rejeitando a ideia de afastar investimentos chineses por razões políticas.
“A China neste momento é a fábrica do mundo. Não só por fazer preços mais baratos, mas porque em algumas áreas tem produtos líderes mundiais e de grande qualidade”, lembra o ex-ministro, defendendo que o melhor para Portugal “não é privilegiar A, B ou C”, mas “manter-se aberto”.
Além disso, o economista lembra que a China já está presente em setores estratégicos da economia portuguesa, como nas energias, o que demonstra uma aposta contínua no país.
Nova fábrica pode criar mais emprego em Portugal. Mas há um problema (e não são os salários)
A perspetiva de criação de novos postos de trabalho em Portugal é também um ponto relevante em toda esta nova equação. José Couto acredita que “numa primeira fase será mais interessante ter trabalhadores portugueses a trabalhar nessa nova fábrica, mas, esgotando-se a força de trabalho em Portugal, terá de haver recurso a forças estrangeiras, como é normal”, sublinha, reforçando que “o problema [no caso português] está em arranjar trabalhadores disponíveis para trabalhar nestas fábricas e não nos salários pagos neste setor”, que poderão ir ao encontro daqueles já cumpridos no nosso país.
No que toca à qualificação, o presidente da AFIA garante que o setor está preparado. “A indústria automóvel tem sempre um professor de formação para manter equipas a um nível que não põe em causa a produtividade. Em Portugal, a indústria automóvel tem um nível de produtividade acima da média nacional precisamente por causa do investimento das empresas em formação”, afirma, acrescentando que “transformações como estas implicam ter equipas com muito conhecimento, capacidade e flexibilidade. Há sempre uma formação.”
Sobre estarmos perante uma empresa chinesa como a BYD e não americana como a Tesla, José Couto defende que “o importante é que se cumpram os requisitos. “Não há diferença nenhuma entre empresas norte-americanas como a Tesla ou chinesas como a BYD. O importante é que cumpram os requisitos: investir, comprar localmente, respeitar as regras e ajudar a desenvolver o setor.”