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E porque não trabalhar na fundição?

Na vanguarda da economia circular e da indústria 4.0, as fundições uniram-se contra o preconceito que tem afastado os jovens

in Expresso, por Joana Nunes Mateus, 19-08-2018


Não somos uma indústria do passado, poluente, mas uma indústria do futuro, amiga do ambiente, pioneira na indústria 4.0 e exemplo da economia circular já que reciclamos totalmente o metal. Temos uma escola boa e empresas onde se pode ter uma carreira de sucesso. Somos uma indústria moderna, onde dá gosto trabalhar”. Quem o diz é Luís Filipe Villas-Boas, o presidente da Associação Portuguesa de Fundição (APF) e do Comité das Associações Europeias de Fundição (CAEF), interessado em cativar mais jovens para este “processo fascinante” que lida com o fogo para criar as mais complexas e sofisticadas peças em metal.

Captar profissionais qualificados e, em especial, os jovens para a arte da fundição é o principal desafio deste sector que está a crescer através da abertura de novas fábricas e da entrada de novas empresas de capital maioritariamente estrangeiro. Em causa estão quatro dezenas de empresas que já empregam quatro mil trabalhadores e procuram mais mão de obra para acompanhar o dinamismo das vendas, sobretudo ao exterior.

Mas não está a ser fácil o recrutamento de novos trabalhadores. Além de não ter a popularidade dos serviços, a fundição é penalizada face a outras indústrias pela “reminiscência dickensiana” daquelas fábricas do século XIX que ainda prevalece no imaginário popular.

“Não vale a pena ignorar a evidência: a indústria em geral, e a fundição em particular, debatem-se hoje com uma enorme dificuldade em atrair os jovens, em especial para as ocupações menos qualificadas e consequentemente associadas às remunerações mais baixas. Como alguém dizia, entre um emprego numa loja num centro comercial e um emprego na indústria, mesmo que este pague algo mais, garanta um horário mais regular e maior estabilidade contratual, a generalidade dos jovens prefere os primeiros. No imaginário da juventude, a indústria representa o passado e os serviços o hoje e o amanhã, pouco importando que as condições e horários de trabalho sejam objetivamente mais penosos”, lê-se no diagnóstico feito pela equipa do Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada da Católica do Porto (CEGEA), liderada pelo professor Alberto Castro.

QUEM VEM, FICA!

Helena Oliveira, diretora do Centro de Formação Profissional da Indústria de Fundição (CINFU), diz que os chamados jovens NEET, que não estão a trabalhar nem a estudar, podem vir a receber um salário acima da média se optarem por esta profissão. “Dependendo da função, já tenho tido formandos que vão ganhar €900 e €1000 logo à partida. Esta é uma indústria com boas condições de trabalho e os empregos não são precários! É um trabalho qualificado, não repetitivo, criativo, que incorpora uma diversidade enorme de competências, de inovação e de tecnologia”.
Embora a fundição tenha dificuldade em recrutar, a verdade é que não tem dificuldade em manter os trabalhadores que contrata porque a rotatividade de trabalhadores é baixa. Citando Pessoa, “primeiro estranha-se e depois entranha-se”, diz a diretora do CINFU que pretende trabalhar junto das escolas e do público em geral para combater a “imagem distorcida” que os portugueses têm da fundição e atrair mais formandos para o sector.

“As fundições já não têm nada a ver com aquela imagem do passado. Hoje são empresas de engenharia. Investimos nas pessoas e na digitalização dos processos. Chegamos a fazer peças únicas que têm de sair bem logo à primeira”, diz Élio Maia, o administrador da Fundição do Alto do Lixa.

Este empresário chama a atenção para o pleno emprego que existe neste sector de atividade, que já paga acima da média, mas que pode vir a gerar ainda mais valor e empregos qualificados à economia portuguesa. “Havendo as competências necessárias, um país como Portugal pode oferecer soluções integradas em certos nichos de mercado, liderar projetos, e sair do campeonato do preço onde o cliente pergunta quanto custa a peça por quilo”.

EM TODOS OS AUTOMÓVEIS

Hoje, a indústria de fundição nacional está maioritariamente ligada ao fornecimento do sector automóvel, exportando sobretudo para o exigente mercado alemão. Da fundição portuguesa saem peças para os Bentleys, Rolls-Royces, Lamborghinis, Maseratis, mas também para a Mercedes e outros carros mais acessíveis ao grande público: “Não há carro nenhum fabricado na Europa que não tenha peças fundidas em Portugal”, assegura o presidente da APF, Luís Filipe Villas-Boas.

A mobilidade elétrica e a reinvenção da indústria automóvel são um desafio à fundição portuguesa, mas não só de componentes para carros vive este sector que abastece as fileiras da agricultura, indústria, energia, construção e demais serviços, das artes à medicina.

Virgílio Oliveira, diretor-geral da fundição Zollern, elencou ao Expresso dezenas de peças fundidas que estão presentes na vida dos portugueses, “desde as maçanetas das portas, às torneiras, às componentes dos eletrodomésticos ou às peças decorativas que temos em casa. Ao sair de casa, encontramos a fundição em tudo o que é transportes, desde peças dos carros, às turbinas dos aviões, às superligas do aeroespacial. No campo da medicina, está nos aparelhos e no próprio corpo humano, como próteses, implantes e parafusos…”.

Está até no sino da igreja, não fosse a fundição mais antiga do mundo no Vaticano. Hoje o desafio é fazer peças muito mais leves. Recorrendo à investigação e desenvolvimento (I&D) e ao design, estão a criar peças mais finas, com materiais mais sofisticados, para reduzirem a poluição e aumentarem a eficiência energética, não só na fundição, mas nas empresas suas clientes, nos mais variados sectores de atividade.

TUDO SE TRANSFORMA

Colocar a fundição portuguesa no pódio europeu da economia circular no prazo de cinco anos é agora o objetivo das empresas portuguesas de fundição. Além de poder reciclar vezes sem conta o metal, o sector está a investir em alternativas para aplicar os seus próprios resíduos como é o caso do asfalto, do cimento ou do barro vermelho.

“A fundição pode ser vista como um laboratório da indústria do futuro: pouco poluente, muito eficiente e avançada tecnologicamente, propiciando trabalho estável e com perspetiva de carreira. São verdadeiros campeões discretos da economia portuguesa”, resume Alberto Castro, o coordenador da equipa da Universidade Católica do Porto que está a traçar o plano estratégico da indústria portuguesa da fundição.

Prova de que a visão dos contos de Dickens já não tem adesão à realidade, é com a presença do próprio ministro do Ambiente que os fundidores contam para lançarem o seu plano estratégico en outubro.

 

 

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