Skip to main content

Quando o carro toca – sistema eCall

Do lado dos fabricantes dos automóveis também são dadas as boas vindas ao eCall: Adão Ferreira, secretário-geral da Associação de Fabricantes da Indústria Automóvel (AFIA), recorda que o setor sempre apoiou o desenvolvimento de ferramentas que aumentam a segurança passiva e ativa dos automóveis.

in Exame Informática, por Hugo Séneca, 13-04-2018

Chegou a data que faltava. De ora em diante, todos os carros que saem da fábrica têm de ter o sistema eCall instalado. Fomos ver como é que as chamadas de emergência automáticas estão a funcionar em Portugal

A data tem força de lei: todos os carros saídos das fábricas para o mercado europeu depois de 1 de abril terão de estar obrigatoriamente equipados para enviar mensagens automáticas para o serviço de atendimento de emergências 112. O novo serviço eCall já passou pelo primeiro dia do resto da sua vida em toda a UE, mas não vale a pena ir correr para a oficina do bairro. Até porque os carros fabricados antes de 1 de abril não vão poder ser equipados para comunicar com eCall nos tempos mais próximos. “Como ainda não há uma norma para retrofitting, ainda não é possível instalar equipamentos em carros que já estão em circulação. Há um certo receio de que, sem a norma, os equipamentos usados em retrofitting possam gerar erros nas comunicações”, explica Francisco Gomes, Seretário Geral da Administração Interna.

Antes do eCall, arrancou o bCall. Podem parecer serviços idênticos e, em parte, até terão propósitos similares – mas importa não esquecer as diferenças: tanto o eCall como o bCall têm por base comunicações de voz através dos sistemas de informação e entretenimento dos veículos com serviços de atendimento telefónico, mas enquanto o eCall é gratuito e tem de ser disponibilizado em regime universal por cada estado-membro da UE, o bCall foi criado pelas marcas de automóveis como um serviço que pode ser usado para acidentes e também para a assistência a avarias, reserva de bilhetes de espectáculos ou comércio electrónico e pode ter custos ou contrapartidas comerciais.

“O bCall tem a vantagem de permitir que um operador que está ao serviço de uma marca de automóveis possa fazer uma primeira filtragem de chamada de emergência que realmente deverão ser encaminhadas para os serviços de emergência, mas supostamente quem quer o bCall não usa o eCall, e vice-versa…mas o eCall poderá ser usado como backup no caso de o dono do carro deixar usar bCall”, explica Vítor Judicibus, coordenador da Implementação do Projeto eCall em Portugal.

A box que comunica com bCall também deverá estar apta a comunicar com o eCall, mas essa compatibilidade não deverá chegar para transmutar de um para outro serviço automaticamente, recorda Francisco Gomes: “O condutor que quiser acabar com o serviço de bCall poderá ter de solicitar à marca do automóvel para mudar para o eCall. Este processo poderá não ser gratuito, porque nada na lei indica que tenha de ser gratuito”.

José Miguel Trigoso, presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), vê o aparecimento de chamadas automáticas para os erviços de emergência como vantajoso para a racionalização dos recursos e facilitar a localização de pessoas sinistradas em cenários de difícil visibilidade ou perda de consciência. “Só temos pena de não ser extensível aos motociclos. Não vejo razão para os motociclos não terem este serviço…até porque há maior probabilidade de as pessoas não conseguirem pedir socorro”.

Do lado dos fabricantes dos automóveis também são dadas as boas vindas ao eCall: Adão Ferreira, secretário-geral da Associação de Fabricantes da Indústria Automóvel (AFIA), recorda que o setor sempre apoiou o desenvolvimento de ferramentas que aumentam a segurança passiva e ativa dos automóveis: “Por enquanto não temos nada a reportar sobre o eCall. Os testes correram bem. Agora é que vamos começar a ver como é que tudo corre na realidade”.

Uma falha à escala da UE

Portugal integrou o pelotão da frente do eCall em 2015, com a entrada no consórcio I_Heero, que haveria de integrar os estados membros que serviram de ambiente de testes em cenário real. A adesão ao consórcio pressupôs alguns investimentos: a SGAI teve de investir num router para os dois centros de atendimento nacionais (Norte e Sul, sendo as ilhas repartidas pelos dois) e houve que proceder a adaptações dos sistemas de atendimento para integrar a nova funcionalidade. Em contrapartida, os operadores de telecomunicações tiveram de proceder a um upgrade dos sistemas usados pelas redes de telemóveis.

“ESSA SITUAÇÃO ATRASOU-NOS A IMPLEMENTAÇÃO EM CERCA DE UM ANO. REPORTÁMOS O PROBLEMA AO CONSÓRCIO I_HEERO E A COMISSÃO EUROPEIA SOLICITOU-NOS QUE APRESENTÁSSEMOS AOS VÁRIOS REPRESENTANTES DOS ESTADOS MEMBROS A SOLUÇÃO QUE ENCONTRÁMOS PARA ESTE PROBLEMA”

Pouco depois dessa evolução, surge a primeira surpresa: de súbito os agentes da PSP e os militares da GNR destacados para os serviços de atendimento passaram a receber chamadas que invariavelmente começavam com um som similar ao que é produzido quando se faz um telefonema para um fax ou para uma linha usada para acesso à Internet.

O caso das “chamadas fantasma”, como ficou conhecido, não teve uma resolução fácil: os operadores de telecomunicações tiveram de reverter o upgrade dos sistemas para se poder saber qual a proveniência das chamadas que começam sempre com ruídos típicos das comunicações de dados. Até que depois de algum tempo de análise, foram identificados os “culpados”: havia um modelo antigo de telemóveis Huawei, cujo identificador interno não estava configurado para revelar se chamada iniciada pelo utilizador era ou não automática – e por isso desencadeava chamadas que os sistemas do 112 tomavam como sendo destinadas ao eCall.

Tendo em conta que se tratava de um serviço de emergência que tem de estar disponível ao público com a menor margem de erro possível, houve que fazer uma pausa na implementação do eCall em Portugal: “Essa situação atrasou-nos a implementação em cerca de um ano. Reportámos o problema ao consórcio I_Heero e a Comissão Europeia solicitou-nos que apresentássemos aos vários representantes dos estados membros a solução que encontrámos para este problema”, recorda Vítor Jucidibus, logo secundado por Francisco Gomes: “nós estávamos a terminar a resolução, mas a grande maioria dos estados-membros desconhecia que este problema existia”.

Sanado o problema, o eCall evoluiu até estrear no final de setembro, antecipando alguns dias a data limite determinada pela Comissão Europeia para a disponibilização de comunicações de emergência automáticas para os automóveis. Vítor Judicibus está convicto de que todos vão sair a ganhar com este salto evolutivo: “Acredito que é algo que pode reduzir o tempo de socorro, com uma localização precisa, que permitirá indicar os meios mais adequados. Para os prestadores de serviço, também será vantajoso, porque permite libertar os meios de socorro mais depressa, uma vez que não se perde tempo à procura das pessoas e veículos envolvidos num acidente”.

Como funciona

 

1- Um dos técnicos da Secretaria Geral da Administração Interna usa um protótipo de uma box para simular o envio de uma chamada de emergência

 

2- A chamada permite que o operador do 112 saiba onde se encontra o veículo

 

3- O operador pode então estabelecer contacto com os sinistrados usando o sistema interno do carro

 

O que precisa de saber

eCall – serviço de chamadas automáticas que é gratuito e que se tornou obrigatório para todos os carros fabricados depois de 1 de abril

bCall – serviço de chamadas automáticas ou manuais que é suportado pelos fabricantes de automóveis. Além de emergências, dispõe de funcionalidades de assistência em viagem e serviços comerciais.

Box – Os carros são equipados com boxes em local não visível para evitar “hacks” ou outro tipo de manipulação. A box dispõe de um cartão SIM como os telemóveis, que se mantém “adormecido” até ao momento em que os sensores do carro detetam uma travagem brusca, uma colisão, uma capotagem, entre outras ocorrências que poderão indiciar um acidente.

MSD – Assim que regista dados que indiciam um eventual incidente, a box do eCall estabelece automaticamente uma comunicação com os serviços de atendimento do 112. Com esta comunicação, segue automaticamente um conjunto de dados no protocolo MSD ( Minimum Set of Data), que permite que um operador do 112 localize imediatamente o veículo, saiba em que sentido seguia, qual o tipo de combustível consumido, número de passageiros com cinto colocado, ou número identificativo do carro.

Botão – Além das chamadas automáticas geradas pela Box, o veículo deverá ter um botão de pânico que pode ser activado, sempre que um dos ocupantes do veículo se sentir mal.

Voz – Além dos dados do protocolo MSD, o operador deverá tentar estabelecer comunicação com os passageiros do automóvel através das colunas de som do veículo para confirmar o incidente e saber das condições em que se encontram os passageiros, e assim atuar em consonância.

Evolução – Está prevista para uma próxima geração do eCall, o recurso a câmaras internas dos veículos que permitirão os operadores do 112 verem o que se passa no interior do veículo

Privacidade – A localização e a escuta do que é dito dentro dos veículos só é possível depois activado o eCall. Em nenhuma circunstância, é possível usar as ferramentas do eCall sem mandado de um juiz.

Recursos – A localização é um fator duplamente crítico: é frequente as pessoas não saberem explicar onde se encontram (com estrangeiros é mesmo muito comum); e não é assim tão raro os serviços de socorro demorarem a descobrir os sinistrados perdendo tempo que pode ser útil para salvar vidas e para libertar meios de emergência para outras ocorrências. A chamada do eCall também permite algumas confusões geradas pela proliferação de alertas enviados pelos transeuntes.

 


 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.