Empresas portuguesas falam em “incerteza” nos negócios em Washington. Têxtil pode estar protegido
in Expresso, por Margarida Cardoso, Sónia M. Lourenço, 22-11-2024
A eleição de Donald Trump trouxe um novo ponto de interrogação à ordem do comércio mundial. A maior economia do mundo tenderá a olhar mais para o seu umbigo, fechando as portas ou encarecendo o acesso a produtos estrangeiros. Para as empresas portuguesas que têm já um pé nos EUA o futuro é uma incógnita. De vários sectores chegam notas de otimismo. De outros nem tanto.
A Aveleda admite “algum receio” relativamente ao que vai acontecer nos EUA, um mercado onde coloca 14% das suas vendas de cerca de €50 milhões por ano, mas a estratégia é “manter a aposta no país e o trabalho promocional, com o foco no longo prazo”, diz ao Expresso Martim Guedes, co-CEO (presidente executivo) da empresa, com o primo António. “Neste momento não estamos demasiado preocupados, até porque o dólar está a valorizar e acreditamos que isso pode compensar de alguma forma o efeito de eventuais tarifas”, segundo o gestor. Uma confiança alicerçada no facto de os EUA não serem autossuficientes em vinho e comprarem ao exterior 25% do que consomem.
“Tudo poderá acontecer”, vinca José Alexandre Oliveira, presidente da Riopele, uma das maiores têxteis portuguesas, sobre a política comercial da presidência de Trump. A empresa, com 1200 trabalhadores, fatura anualmente €98 milhões, dos quais 16% nos EUA, onde as vendas estão a crescer 4%. Mas a “almofada de segurança pensada estrategicamente para enfrentar o arrefecimento da economia europeia” é agora “uma incógnita”.
Mário Jorge Machado, presidente da ATP — Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, combina “otimismo e angústia” para falar do quarto cliente do made in Portugal, o único dos 10 maiores mercados do sector têxtil a crescer em 2024 (+3%). “Entre os europeus, a viverem uma economia de guerra, é normal uma maior retração do consumo, até porque a Alemanha está em recessão e os preços da energia continuam a condicionar a competitividade. O gás está 400% mais caro do que antes da invasão da Ucrânia”, precisa, enquanto espera para “ver o que Trump vai realmente fazer”. “Se subir as tarifas sobre as importações chinesas em 70%, como anunciou, e limitar os aumentos sobre o que vem da Europa a 20%, podemos ter uma vantagem inicial, mas o risco de a China canalizar os seus esforços de venda para a Europa também é real”, alerta.
Segundo as projeções de abril do Fundo Monetário Internacional, a economia norte-americana deverá abrandar o ritmo de crescimento nos próximos anos para os 2%. E se Trump carregar no botão das tarifas e do protecionismo, poderá limitar ainda mais a expansão económica e puxar pela inflação.
Ameaças e oportunidades
O economista Alberto Castro admite que o impacto das tarifas em sectores como o têxtil ou o calçado tende a ser “menor porque o país depende do exterior”, mas refere “alguma angústia” relativamente ao possível “efeito Trump” numa altura em que as exportações portuguesas para os EUA estão a crescer 6,3%. Receia em especial uma política de tarifas que privilegie mercados como o México ou o Vietname, onde há fábricas de capital chinês.
“O impacto é ainda incerto, dependendo da dimensão e grau do agravamento das tarifas às importações, mas tende a ser negativo, sobretudo a médio prazo”, antecipa Teresa Pinheiro, do BPI. E se os sectores em que os EUA têm maior capacidade de produção serão os mais penalizados, para Portugal isso pode significar problemas em áreas como a farmacêutica, onde os EUA absorvem um terço das exportações, e dos produtos petrolíferos refinados e coque (23%). O Expresso questionou a Galp sobre se antecipa uma redução nas suas exportações para os EUA, mas não obteve resposta. Quanto à farmacêutica Bial, a trabalhar diretamente com parceiros do sector no país, não “antevê mudanças nos EUA”, a disputar com Espanha o título de maior mercado da empresa no exterior, confirma fonte da direção. Já a EDP tem nos EUA 40% do seu investimento e considera este mercado “estratégico”, com “uma enorme oportunidade de crescimento”, que o grupo irá “seguramente continuar a aproveitar”. A empresa já fez reuniões para analisar os impactos potenciais da mudança presidencial. “Apesar de ainda ser cedo para avaliar, estamos otimistas e temos tomado diversas iniciativas para estarmos preparados para qualquer cenário”, indica fonte oficial da elétrica.
Para quem está no terreno a hora é de “trabalhar ainda mais para conquistar clientes nos EUA”, assume Deolinda Silva, diretora-executiva da PortugalFoods, que passou os últimos dias no país a promover a produção lusa e continua a acreditar “em boas oportunidades” em nichos como o peixe, conservas, vinhos e azeite. A fileira metalúrgica, no entanto, admite um “impacto negativo da vitória de Trump”, e no segmento automóvel José Couto, presidente da associação sectorial AFIA, nota que “as construtoras europeias estão em suspenso relativamente aos EUA, mas também à reação da China, já com investimentos anunciados para fábricas na Europa”. “É preciso garantir que estas fábricas não vão apenas montar peças importadas da Ásia nem vão fazer concorrência desleal à produção europeia” e “é necessário esperar, porque o impacto real do protecionismo de Trump não será imediato”, sublinha.
“Só no final de 2025 ou início de 2026 é que se irão sentir os efeitos da nova política económica de Trump”, acredita o economista Augusto Mateus, à espera de ver o que vai acontecer relativamente à China, até porque, sublinha, “já há estudos a indicar que o protecionismo tenderá a produzir mais efeitos negativos nos EUA do que na China”.
Com Gonçalo Almeida e Miguel Prado