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Luís Filipe Villas-Boas: “É no valor acrescentado que temos que ser os melhores”

Mais do que o rosto do Schmidt Metal Group, é o próprio rosto da fundição nacional. Trata por tu o presente e o futuro do setor no país e no mundo, e não tem dúvidas quando o questionamos sobre o que será da indústria de fundição num futuro próximo. A resposta é crescimento e prosperidade. Nesta grande entrevista sentimo-nos em casa com Luís Filipe Villas-Boas. Ele, que dispensa apresentações e que, numa verdadeira viagem à volta do mundo da fundição, nos traçou a história da vida do SLM Group, uma referência da fundição nacional que, através das ligas leves, conquistou o peso da confiança dos principais produtores automóveis.

in Revista Fundição, nº 285, Junho 2018


QUEM É LUÍS FILIPE VILLAS-BOAS, O ROSTO DO SLM GROUP?

Nasci em 1952. Formei-me na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) em 1975, em pleno pós-25 de abril e, após terminar a licenciatura, comecei a leccionar como assistente na FEUP na área de desenho e simultaneamente a prestar serviço na área de manutenção à empresa Indufer, actual Fundínio. Cerca de 2 ou 3 anos depois, passei a trabalhar nessa empresa e mantive-me como assistente convidado na FEUP até passar a professor convidado já depois do ano 2000. A minha ligação contratual à FEUP durou cerca de 30 anos, primeiro na área de desenho técnico e mais tarde na área dos componentes automóveis, sobretudo componentes de fundição de alumínio por injecção, leccionando no curso de Engenharia Mecânica. Estou, por isso, ligado à fundição desde que me formei. Na Indufer estive cerca de 15 anos, até 1986. Nos dois anos seguintes integrei a área de serviços de engenharia de uma empresa que fundei à data. E em 1989 criei, com o Sr. Kupper e o Sr. Ralf Schmidt, a Kupper & Schmidt, que mais tarde deu origem ao Schmidt Light Metal Group, onde me mantenho como administrador há 29 anos.

 

QUE MARCOS HISTÓRICOS DESTACA NA VIDA DO SLM GROUP, DESDE A SUA FUNDAÇÃO?

O grupo resultou de um interesse manifestado por dois investidores alemães – o Sr. Küpper e o Sr. Ralf Schmidt – em desenvolver a actividade de fundição de ligas leves em Portugal, desafiados por um cliente automóvel – a Opel – que gostaria de ser fornecida a partir de Portugal, fruto do conhecimento que tinha da boa performance dos fabricantes nacionais de componentes. Sendo a Opel cliente de outras fundições na área dos ferrosos que Küpper e Ralf Schmidt detinham na Alemanha, existia já uma ligação comercial, o que facilitou o processo de arranque desta nova unidade e o fornecimento à indústria automóvel. E assim nascemos. Em 2006, com a venda da quota do Sr. Küpper e a entrada de novos sócios, alterou-se o nome da sociedade para Schmidt Light Metal, Fundição Injetada e do grupo para SLM Group.

 

PORQUÊ EM OLIVEIRA DE AZEMÉIS?

Nascemos em Oliveira de Azeméis porque, já à data, era um centro muito forte na área da fabricação de moldes e, como se sabe, o processo de fundição injectada necessita de moldes permanentes. Por outro lado, havia na zona envolvente, Santa Maria da Feira, Ovar, bastante know how na área de injecção, não só de ligas de alumínio, mas também de polímeros. Portanto, como existia alguma prática, foi fácil constituir uma equipa a quem o processo não fosse totalmente alheio. Essa foi uma das razões pelas quais se escolheu esta cidade, que também está localizada próxima do Porto.

 

DE QUE FORMA SE CONSTITUÍRAM AS VÁRIAS UNIDADES QUE COMPÕEM HOJE O SLM GROUP?

Cerca de dois ou três anos após o início da actividade começámos a acrescentar valor através da maquinagem de peças. E, sendo a maquinagem e a fundição processos bastantes distintos, entendeu-se em 1995 autonomizar a área da maquinagem, constituindo a empresa DMM – Desenvolvimento, Maquinagem e Montagem, que se especializou na maquinagem de peças em liga de alumínio. Também fomos verificando ao longo do tempo a necessidade de ter maior autonomia na fabricação de moldes. Por isso, em 2004 adquirimos uma unidade já existente no mercado, que era nossa fornecedora, constituindo a Autoconceptus, uma empresa especializada no fabrico de moldes. Temos assim três unidades fabris, que contribuem de uma forma coerente para a produção de peças fundidas maquinadas. Não deixando, desde cedo, de introduzir no projecto de peças o knw how do desenvolvimento do produto, naturalmente em cooperação com o cliente, através de ferramentas tradicionais como softwares 3D de desenho ou de simulação do enchimento, que nos têm permitido cooperar com o cliente desde o momento da conceção.

 

DE QUE FORMA FOI EVOLUINDO A ATIVIDADE DO GRUPO AO LONGO DESTES 29 ANOS?

Nestes 29 anos fomos crescendo de forma mais ou menos equilibrada, não só a nível de capacidade de fabricação moldes, pois fabricamos hoje cerca de 50 moldes por ano, no valor de cerca de 5 M€/ano, mas também em termos de capacidade de fundição, crescendo em quantidade e em tamanho das células de fabrico. Hoje temos 19 células de injecção com força de fecho de 530 a 2200 toneladas. Este incremento da força de fecho não aconteceu ao acaso, mas integrado numa estratégia comercial da empresa que, em primeiro lugar, visa uma elevada competitividade. Esta competitividade também se consegue tornando o processo autogerível do ponto de vista dos seus parâmetros, que se entende hoje por Indústria 4.0. Desde cedo utilizamos células que se corrigem a si próprias através de sensores que medem parâmetros do processo. Este foi um passo importante: ao longo do tempo adquirimos células maiores para podermos utilizar moldes que nos possibilitassem produzir mais do que uma peça em simultâneo. Estas células também nos permitiram ir ao encontro das necessidades do mercado, que cada vez nos exige peças de maior dimensão. Com exceção do período 2009/2010, em que a indústria automóvel sofreu um forte impacto negativo fruto da crise financeira mundial, crescemos sempre em termos de mercado e tivemos naturalmente que crescer também na área fabril. Conseguimos fazê-lo, adquirindo espaços contíguos, aproveitando a oportunidade de se libertarem espaços vizinhos. Conseguimos assim expandir as nossas unidades dentro do mesmo terreno, que está neste momento quase lotado. Hoje dispomos de seis edifícios: dois afetos à actividade de fundição, três à actividade de maquinação e um à actividade de fabricação de moldes e de armazém de produto acabado e de matéria-prima. Não é naturalmente a situação ideal, mas foi o possível ao longo destes 29 anos.

 

NÃO É A SITUAÇÃO IDEAL PORQUE PREVÊ BONS VENTOS DE CRESCIMENTO PARA O GRUPO?

Exatamente por isso. No entanto, ainda temos área de crescimento disponível. Estamos neste momento a ampliar alguns dos seis edifícios que referi. Em 2016/17 ampliámos um dos edifícios da fundição e, neste momento, estamos a ampliar o edifício da maquinagem. O nosso plano estratégico prevê a consolidação da actual capacidade produtiva, melhorando a rentabilidade da utilização dos recursos e permitindo com esses resultados fazer face às novas solicitações com base num business plan para os próximos 3 anos. Estamos ainda a externalizar o nosso armazém de matérias-primas e de produtos acabados que, não afectando a nossa atividade e não trazendo custos acrescidos, nos permitirá ter um armazém fora do nosso perímetro fabril onde teremos os stocks mínimos exigidos pelos clientes, e os stocks mínimos de matérias primas.

 

HÁ POUCO REFERIU QUE A ESTRATÉGIA DO GRUPO PASSA PELA CAPACIDADE DE EXECUTAR O PROJETO COMPLETO DO CLIENTE. ACREDITA QUE ESSE É O GRANDE FATOR DE DIFERENCIAÇÃO DO SCHMIDT LIGHT METAL GROUP FACE AOS HOMÓLOGOS?

Terá sido, anteriormente. Mas hoje, os principais players desta actividade também têm essa mais-valia, o que significa que aquilo em que temos que ser melhores do que os outros é no serviço que oferecemos, em termos de qualidade e capacidade. E, quando falamos em qualidade, não se trata apenas da qualidade do produto, mas da sua conceção, da capacidade de tornar o produto o mais lean possível, mesmo sob o ponto de vista da utilização de matéria prima, tornando-o mais leve. Esta é, de facto, uma das atuais necessidades do cliente: a conceção de peças mais leves, satisfazendo naturalmente as características mecânicas a que vão estar sujeitas. A capacidade de aliar estes dois factores, qualidade e capacidade, é uma característica inerente a cada produtor. Um dos nossos pontos fortes é o facto de sermos reconhecidos pela qualidade do serviço, flexibilidade, qualidade do produto tendente para zero defeitos, entrega no tempo certo, confiança que geramos junto do cliente. São conceitos que não são fáceis de implementar. O cliente, se tem confiança no fornecedor e se acredita que o fornecedor consegue conceber uma peça adequada ao seu fim, irá inserir esse fornecedor na sua cadeia de fornecimento para novos produtos. Foi assim que esta unidade, nos últimos quatro anos, duplicou a sua facturação.

 

DE QUE FORMA REAGIU O GRUPO A ESSE AUMENTO DE FATURAÇÃO NUM TÃO CURTO ESPAÇO DE TEMPO?

Duplicar a facturação em quatro anos não é tarefa fácil e significou a necessidade de implantar novos equipamentos, de formar novos colaboradores e de os integrar na cultura da empresa. Passámos por momentos de algum stess, daí também este nosso desejo de consolidar agora a capacidade instalada no sentido de obter maior rentabilidade para permitir o crescimento moderado sem que tenhamos que adquirir e instalar equipamentos novos.

 

COMO CARACTERIZA OS RESTANTES PLAYERS QUE ATUAM NA ÁREA DO GRUPO, E O PANORAMA DA CONCORRÊNCIA NACIONAL E INTERNACIONAL?

O setor de fundição de ligas não ferrosas por injecção é disperso no mundo por muitos pequenos players, ao contrário da fundição de ligas ferrosas para a indústria automóvel, que se concentra num menor número de unidades de maior dimensão. A concorrência é vasta, não só nacional, mas em solo europeu e naturalmente mundial. O tipo de peças produzidas na Europa tem como destino tipicamente o mercado europeu, com algumas exceções em que algumas em menor volume são reexportadas em kits pelos nossos clientes para a China, México ou Brasil, por exemplo. Mas a maioria das peças são, de facto, fabricadas por estes nossos concorrentes na Europa para carros ou produtos montados no mesmo continente. Há, no setor, aspectos que são comuns a todos: o capital custa o mesmo, o custo financeiro é mais ou menos semelhante nos diferentes países da europa, o acesso ao crédito funciona, a matéria-prima tem um custo mais ou menos universal e cotado em bolsa. O que distingue uns fornecedores dos outros é a capacidade de prestar o serviço. Nós poderemos ter, relativamente aos nossos concorrentes, o inconveniente da logística porque estamos no extremo da Europa, mas no valor acrescentado temos que ser melhores do que os outros, ser mais competitivos e sobretudo prestar um serviço completo que alicie o cliente e que lhe dê confiança numa relação de longo prazo. Sobre esta matéria tenho que referir que forneceremos para clientes “Original Equipment Manufacturer” (OEM) há mais de 25 anos, o que revela exactamente a confiança que têm em nós. O SLM Group especializou-se a 100% no fornecimento para a indústria automóvel, cerca de 35% da sua produção destina-se a peças usadas no motor de combustão, 30% na área da transmissão, 20% na plataforma e o restante na carroçaria.

 

E ONDE ESTÃO OS GRANDES CLIENTES DO GRUPO?

Cerca de 50% da nossa facturação deve-se a clientes (marcas) de topo da indústria automóvel, tais como Audi, Maserati, Bentley, Lamborghini ou Porsche ou, nas peças de maior série e volume, a Volkswagen, para a qual fornecemos modelos de peças em grande série (mais de 1M por ano). Por outro lado, temos clientes “tier-one”, que, por sua vez, são fornecedores de primeira linha da indústria automóvel e que através desses clientes incorporamos peças em outros OEM. No conjunto, o Grupo fabrica cerca de 5,5 M peças/ano e raramente tem mais do que uma peça no mesmo carro. Poderemos dizer com segurança que cerca de 2,5 a 3 M dos 20 M de novos carros produzidos na Europa têm peças do SLM Group. E em exclusividade para cerca de 95% das peças, já que não há mais nenhuma fundição no mundo que esteja a fabricar uma peça igual, o que é de resto uma característica da indústria automóvel mundial. Isto traz-nos responsabilidades acrescidas de fornecimento just in time, de qualidade requerida, e de preço.

 

RELATIVAMENTE AO FUTURO, ONDE IDENTIFICA ESTAREM AS GRANDES OPORTUNIDADES DO SLM GROUP? E QUE DIFICULDADES PREVÊ NESSE CAMINHO?

O Grupo estabeleceu desde o princípio como objectivo o fornecimento de componentes para a indústria automóvel. A nossa produção está 100% vocacionada para essa indústria. Sendo esse o nosso foco, temos que perceber qual é a estratégia do mundo automóvel. Sob o ponto de vista da sua utilização futura, o automóvel tende a ser um bem partilhado, ao contrário da sua utilização passada. Esta tendência poderá levar a uma menor produção automóvel que, no entanto será compensada pela mais rápida substituição, tendo em conta a sua utilização intensiva. Acresce que, e conforme sabemos, o automóvel está em transformação, fruto de uma pressão da sociedade, por um lado, e da política por outro, relacionada com o seu impacto ambiental. A forma mais razoável de conseguir a redução do impacto é através da utilização do motor de combustão em paralelo com o motor eléctrico, o híbrido, de forma a que a energia seja rentabilizada no próprio veículo da melhor forma possível, acompanhado também de outras inovações importantes que estão a acontecer na área tecnológica, no sentido de tornar o motor de combustão menos poluente. É sabido, e é fácil de entender, até porque o custo dos combustíveis tenderá tendencialmente a aumentar, que a poupança sob o ponto de vista da quantidade de combustível por 100 km percorridos, é obviamente perseguida pelo consumidor, independentemente do impacto ambiental desse carro. Portanto acaba por ser uma pressão da sociedade em dois sentidos: por um lado a necessidade de um carro económico, por outro lado a consciência ambiental. E isso também se consegue tornando os carros mais leves, o que faz com que processos de produção que consigam fabricar peças mais leves tenham naturalmente maior procura.

 

É AÍ QUE A FUNDIÇÃO DE LIGAS LEVES TERÁ UMA PALAVRA IMPORTANTE A DIZER?

Não estou a dizer que peças mais leves de fundição não se possam conseguir também com ligas ferrosas, porque podem e estão a conseguir-se. Mas conseguem-se essencialmente por ligas não ferrosas, de alumínio ou magnésio, que estão a conquistar espaço no carro. Ao longo do tempo, e especialmente nos últimos 5/10 anos, tem existido cada vez maior quantidade de peças fundidas em alumínio por unidade de carro. Por outro lado, estão a fabricar-se mais carros por ano na europa – o crescimento tem andado na casa dos 2 a 3% – nos quais há uma incorporação crescente de peças em ligas leves de alumínio ou magnésio. As peças em ligas de alumínio no passado concentram-se nos motores e na transmissão. Hoje, a tendência é também aplicar-se ligas leves na estrutura da carroçaria. Por um lado, temos um mercado que está a crescer e, por outro lado, mais zonas “leves” no carro, que o transformam num veículo mais económico e ambientalmente menos impactante.

 

QUAL A IMPORTÂNCIA DO CORPO TÉCNICO DO SLM GROUP NESTA MUDANÇA DE PARADIGMA A QUE ESTAMOS A ASSISTIR?

O Grupo possui um corpo de engenharia significativamente forte nas áreas da conceção de ferramentas, na engenharia do processo, na área da produção, nas áreas de desenvolvimento de processos em técnicas lean, kaizen  ou outras, e temos também um departamento técnico comercial bem equilibrado e externalizado, com engenheiros residentes fora do nosso território nacional, perto das áreas estratégicas onde os nossos clientes concebem os produtos. Acreditamos que esta ligação preferencial com os clientes tem que existir independentemente da forma facilitada que hoje existe na transmissão de dados.

 

HÁ UMA QUESTÃO REFERIDA RECORRENTEMENTE PELOS DIRETORES DE EMPRESAS DO SETOR RELATIVAMENTE À DIFICULDADE EM ENCONTRAR RECURSOS QUALIFICADOS NA ÁREA DA FUNDIÇÃO. COMO CARACTERIZA ESTE PANORAMA?

Esse não é um problema do setor da fundição. É um problema nacional, europeu e mundial. O desenvolvimento industrial de facto não teve resposta da sociedade no sentido da formação de jovens vocacionados para satisfazer essas necessidades. O caso português pode ainda ser mais deficitário em alguns aspectos e em algumas áreas porque houve jovens que entenderam emigrar procurando novas oportunidades e que fazem falta ao tecido industrial português. Essa falta tem que ser contornada com engenho no sentido de cativar esses talentos, para integrá-los nas equipas sob um plano estratégico que pode ser de longo prazo. Nós temos tido o hábito de receber jovens que necessitam de um estágio empresarial para terminarem os seus percursos universitários, convidando até alguns deles a serem nossos colaboradores numa fase posterior. Quando falamos em formação não nos limitamos à formação universitária, mas a toda a formação, incluindo a de quadros intermédios. E o setor, através do CINFU e de parcerias com outras entidades, entre as quais a FEUP ou a Universidade do Minho, tem conseguido realizar cursos que preparam jovens para virem a ser quadros intermédios muito importantes. Portanto, dificuldades sim, temos, mas mais do que nos queixarmos temos que adotar uma estratégia de contratação e persegui-la, evitando pensar na contratação para preenchimento de lacunas pontuais, sempre dentro do respeito pela concorrência. Ao mesmo tempo que existe esta dificuldade de contratação fruto do crescimento, também verificamos que o tecido industrial está a crescer nas mais variadas actividades, não só de fundição, mas também de metalomecânica, em que a procura cresce a um ritmo maior do que a oferta. A nível associativo vamos participar numa campanha, promovida pelo Ministério da Indústria, no sentido de sensibilizar os jovens que estão no ensino secundário para uma carreira industrial.

 

SABEMOS QUE A ATIVIDADE ASSOCIATIVA SEMPRE MARCOU O SEU PERCURSO PROFISSIONAL. QUER FALAR-NOS UM POUCO DA IMPORTÂNCIA DESSA LIGAÇÃO?

Sim. Liguei-me à Associação Portuguesa de Fundição na década de 80, quando comecei a fazer parte dos quadros da direcção da associação e, mais tarde, assumi a presidência. Estive também ligado à Associação Empresarial de Portugal, à AIMMAP, fui director da revista Tecnometal durante mais de 15 anos, à AFIA e, mais, recentemente ao cluster da Mobinov. No plano internacional represento a APF na Associação Europeia da Fundição – CAEF – onde também fui ocupando diferentes funções.

 

NO ÂMBITO DA FUNÇÃO QUE EXERCE NO CAEF, COMO VÊ A SITUAÇÃO ATUAL, QUE FUTURO PREVÊ E QUE DESAFIOS SE IMPÕEM À INDÚSTRIA DA FUNDIÇÃO EUROPEIA?

Em primeiro lugar, convém referir que a China é o principal produtor de peças de fundição no mundo e a Europa, como um todo, é o segundo, com uma quota superior a 20%. A fundição que hoje se faz na China faz-se basicamente para produtos finais, ou para integrar produtos finais fabricados internamente, e não para exportação da peça de fundição por si. A indústria de fundição de ligas ferrosas a partir de 2000 teve uma ligeira queda de produção na ordem dos 5%. E nos últimos 5 anos sofreu nova queda, registando uma ligeira recuperação já no ano de 2017, que continua a confirmar-se em 2018. Portanto, esta indústria tem-se mantido forte ao longo destas últimas duas décadas, e continuará forte, fruto da introdução de novas ligas e da melhoria dos seus processos. Com muita investigação e desenvolvimento, o setor conseguiu colocar no mercado aquilo que o mercado automóvel lhe solicitava: peças mais leves e com melhores características mecânicas, porque ao serem cada vez mais pequenos e mais leves, os motores também são cada vez mais solicitados mecanicamente, pelo que têm que ter melhores características. O mercado respondeu, por isso, positivamente.

 

E QUANTO À ÁREA DOS NÃO FERROSOS?

Paralelamente, a fundição de ligas não ferrosas, sobretudo de alumínio, teve um crescimento exponencial nestas últimas duas décadas, na casa dos 50%, e continua a crescer na Europa a um ritmo anual quase nos dois dígitos, sobretudo devido à maior incorporação de peças em ligas de alumínio no automóvel. Mas a fundição não ferrosa não se limita ao automóvel e também tem como destino importantes mercados: o mercado da construção civil, que incorpora uma vasta gama de produtos, desde a torneira até aos acessórios, válvulas, etc. Todo esse setor que consome peças de fundição continua a estar muito forte na Europa e a ter uma quota de exportação muito forte, inclusive para os EUA. Um pouco à semelhança do que aconteceu com o calçado português, também nesta área podemos falar de produtos considerados de alta gama, porque se tratam de peças de alto valor acrescentado, fruto do seu design e das características. No seu todo, portanto, a indústria de fundição na europa tem revelado quotas de crescimento importantes, independentemente do processo produtivo, e não deixa de ser também importante percebermos que, na Europa, o maior produtor de produtos de fundição é a Alemanha, que é, por sua vez, um dos países com o maior custo salarial. E o processo é competitivo mesmo neste país.

 

NESSE PANORAMA INCLUI TAMBÉM AS INDÚSTRIAS NACIONAIS, OU TEM UMA OPINIÃO PARTICULAR QUANTO A ESTAS?

O setor em Portugal tem crescido a uma velocidade superior ao crescimento europeu, porque novos investidores apareceram. No caso das ligas não ferrosas, assistimos à instalação de unidades de capital estrangeiro e, por outro lado, verificámos um crescimento significativo nas fundições já existentes, como é o nosso caso, em que quadruplicámos a produção. E esse aumento também aconteceu na área das ligas ferrosas. O setor está de facto a crescer nas suas várias frentes. E não vejo razões para que esse crescimento a que se assistiu na última década não continue na próxima. Embora seja um setor pequeno, é um setor dinâmico, com cerca de 50 unidades. Emprega cerca de 6000 pessoas, fatura cerca de 600 M€ e tem uma quota de exportação superior a 80%, portanto, é um setor que, sendo pequeno, tem visibilidade e deve ser apoiado e acarinhado, porque é fundamental em Portugal e na Europa e contribui significativamente para o desígnio europeu da economia circular. O produto fundido é um produto que se enquadra a 100% no conceito de economia circular: a matéria-prima provém, numa percentagem muito significativa, de produtos metálicos em fim vida, que se transformam em novos produtos fundidos e, por sua vez, quando terminar o seu ciclo de actividade – curto, se se tratar de um automóvel abatido em poucos anos, ou longo, se fizer parte do perfil de uma janela que dure 20 anos ou numa torneira que dure 10 – é um produto que tem reciclagem garantida. Por outro lado, os resíduos do processo de fabrico têm quase uma utilização integral noutros processos.

 

QUAL FOI A SITUAÇÃO MAIS DIFÍCIL PELA QUAL PASSOU E COMO É QUE LIDOU COM ELA?

A situação mais difícil pela qual passámos foi de facto a crise financeira mundial de 2008/2009. O Grupo, no ano 2009, facturou metade do valor de 2007. Foi muito complicado. Não fizemos despedimentos e, fruto de uma colaboração intensa com o CINFU e com o apoio do Ministério do Trabalho através do IEFP, colocamos em formação os nossos colaboradores. Só em 2014 é que conseguimos voltar aos níveis de 2007.

 

AO LONGO DE TODO ESTE PERCURSO, QUAL FOI O PROJETO QUE MAIS O ORGULHOU?

Eu acho que o que mais me orgulha é reconhecer que ao longo destes 29 anos do SLM Group contribuímos positivamente e de uma forma continuada para a criação de emprego e para a retenção das pessoas, mesmo perante a crise nacional de desemprego. A rotatividade das pessoas que pertencem ao quadro do Grupo é baixa, o que significa que as pessoas se integram e gostam do que fazem. E esse é um aspeto importante de que me orgulho, não só no SLM Group, mas também no setor de fundição que consegue reter os seus talentos. E destaco o respeito que tem havido entre empresas concorrentes, ajudando-se até mutuamente na formação e na realização desses talentos através de acções comuns.

Em conclusão, o SLM Group cresceu e fornece, hoje, peças de elevada complexidade técnica, produzidas em equipamentos de última geração.

 

 

One thought to “Luís Filipe Villas-Boas: “É no valor acrescentado que temos que ser os melhores””

  1. Agradeço ao Sr. Luís Filipe pela brilhante entrevista.
    Muito bom ver todo histórico de crescimento e evolução de sua empresa, sua visão do setor de Fundição e evolução que se seguirá.
    Uma verdadeira aula da boa administração de um empreendimento industrial.
    Parabéns, Roberto Seabra da Costa

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