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Indústria portuguesa “arma-se” para a guerra comercial com Trump na Casa Branca

Do têxtil aos moldes, passando pelos setores da energia, farmacêutico ou agroalimentar, exportadores inquietam-se com nova liderança imprevisível e protecionista no quarto melhor cliente de Portugal.

in ECO, especial por António Larguesa, Fátima Castro, Patrícia Abreu, Ana Marcela, Ana Batalha Oliveira, 08-11-2024


A indústria portuguesa prefere esperar para ver o que Donald Trump fará ao certo a partir de janeiro do próximo ano, quando voltar a tomar posse como Presidente do EUA, mas o regresso do republicano à Casa Branca está a deixar inquietos os principais setores exportadores nacionais, que temem sobretudo a concretização da ameaça feita em campanha de aplicar uma tarifa aduaneira universal de 10% a 20% sobre todas as importações, incluindo de produtos com origem na União Europeia, com o objetivo de proteger as fábricas norte-americanas.

“Neste momento, o risco é Trump querer começar uma guerra comercial com a Europa e a Europa ser obrigada a retaliar. E sabemos quando as guerras começam, mas nunca sabemos quando acabam. E começar guerras é sempre prejudicial para a maioria das empresas”, resume Mário Jorge Machado, porta-voz da indústria portuguesa do têxtil e do vestuário, que teme “decisões tomadas por impulsos e não com determinado tipo de previsibilidade”. Uma instabilidade que “é sempre um risco para quem está nos negócios e [pensa] os investimentos a prazo”.

O têxtil-lar é o segmento mais exportado para os EUA. Com Donald Trump na presidência estará afastada a hipótese de ser assinado um acordo de livre comércio, “o que vai ser prejudicial para a economia portuguesa e europeia”.

Ainda assim, o presidente da ATP consegue perspetivar também uma oportunidade. “Os EUA estão a fazer decoupling e a desligar-se das compras na China, que é o grande fornecedor deles, e isso pode criar outras oportunidades na Europa. Se a guerra de Trump for sobretudo com a China, pode existir oportunidades para o têxtil e vestuário português”, sustenta o empresário.

Na indústria dos moldes, para quem os EUA equivaleram no ano passado a 4% das exportações diretas, sendo o oitavo mercado externo mais valioso, os melhores clientes estão na indústria automóvel. Mas há também várias empresas nacionais a trabalhar para outras áreas industriais como os dispositivos médicos, as embalagens ou os eletrodomésticos. E em todos esses setores que serve, Manuel Oliveira teme que possam ser afetadas as cadeias de fornecimento, caso as limitações ou taxas de importação se estendam mesmo a produtos da Europa.

“É mais uma condicionante para trabalharmos com esse mercado. Isso vai ser mais uma dificuldade e um desafio que temos de enfrentar”, desabafa o secretário-geral da Cefamol.

Uma preocupação que se estende aos fabricantes portugueses de componentes para a indústria automóvel, que em 2023 venderam 560 milhões de euros para os EUA e ainda se lembram como na primeira passagem de Trump por Washington foram atribuídos subsídios para a instalação de construtoras europeias em território americano, numa “perturbação das regras da concorrência e das ajudas dos Estados”.

“Ou a empresa portuguesa também se muda para continuar a ser fornecedora ou tem um problema de concorrência”, contextualiza José Couto, presidente da associação setorial (AFIA), avisando que mais fornecedores de primeira linha do Velho Continente podem deslocalizar-se para o outro lado do Atlântico.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, os EUA foram o quarto cliente das exportações portuguesas de bens no ano passado, com uma quota de 6,8%, com a balança comercial a favorecer o nosso país (excedente de 2.983 milhões de euros). Produtos químicos (26,7%), combustíveis minerais (17,9%), máquinas e aparelhos (10,2%) e plásticos e borracha (7,2%) foram as primeiras mercadorias nacionais compradas pelos clientes americanos. E o maior contributo, dentro da indústria químicas, foi dado pelo setor farmacêutico (600 milhões) que é também, entre os principais exportadores, o que regista uma maior dependência do mercado dos EUA: vale quase metade (48%) das vendas totais ao exterior.

Em declarações ao ECO, o presidente da maior empresa portuguesa do setor lembra que os medicamentos e produtos farmacêuticos estão no topo das principais exportações da UE para os EUA – e entre eles estão os dois medicamentos inovadores da Bial: o Zebinix/Aptiom para a epilepsia, e o Ongentys para a doença de Parkinson.

Porém, António Portela evita dramatizar a “escolha democrática” do povo americano. “A área da saúde é crítica para os EUA e para a Europa pelo impacto que tem na vida das pessoas. Não estimo que possam existir muitas alterações nas políticas atuais e nas oportunidades que podem existir para ambos os blocos. Desejo que noutras matérias também se possa continuar a trabalhar de forma construtiva para o bem das pessoas e da humanidade”, resumiu o empresário nortenho.

Na ótica da indústria agroalimentar portuguesa, “o que preocupa é Trump ser bastante imprevisível, [algo] que acarreta alguma instabilidade para aquilo que são as perspetivas comerciais do setor” resume Pedro Queiroz. “Provavelmente adotará uma política protecionista e vai procurar fazê-lo através das tarifas à entrada. Vamos entrar em algum jogo de retaliação entre os EUA e a Europa em termos comerciais. Mas preocupa-nos, acima de tudo, o clima de alguma imprevisibilidade relativamente à forma como vão encarar o comércio” com os produtos europeus, incluindo os portugueses.

Vinhos, produtos de padaria, azeite, produtos hortícolas conservados e preparações e conservas de peixes representam 70% das exportações portuguesas no ramo alimentar e das bebidas para EUA, que em 2023 ascendeu a 235,7 milhões de euros. O diretor-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares (FIPA) relata que Portugal tem “procurado ao longo dos anos implementar algumas categorias nos EUA, nomeadamente a das bebidas que tem penetrado relativamente bem” naquele mercado. “E sabemos que é também uma categoria fácil de impor taxas acrescidas à entrada. O setor alimentar pode vir a sofrer ou não; para já, lamentamos o cenário de imprevisibilidade”, insiste Queiroz.

Na área vitivinícola, em particular, ouviram-se também durante a campanha eleitoral nos EUA rumores de possíveis barreiras comerciais. No ano passado, os americanos foram os segundos maiores compradores de vinho português (100 milhões de euros) e este ano, até agosto, ascenderam mesmo à liderança, tendo já comprado 69 milhões.

Apesar do que foi dito nos últimos meses, Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, “não [crê] que esta nova administração traga novas tarifas à importação de vinhos”. No anterior mandato, as exportações de vinhos para lá até tiveram um comportamento positivo, embora sobretudo pelo período da pandemia em que se registou um aumento das vendas na grande distribuição.

Apreensão disfarçada na energia e start-ups

Esta quarta-feira, na primeira reação às eleições norte-americanas, as bolsas europeias tremeram e Lisboa tombou 3,27% com pressão da família EDP. No principal índice nacional, o PSI, EDP e EDP Renováveis destacaram-se pela negativa, com quebras de 7% e 11% no valor da ação, respetivamente. O “susto” justifica-se pela reiterada oposição de Donald Trump aos incentivos às energias limpas, sendo que a EDP Renováveis tem mais de metade dos seus ativos (em termos de capacidade) precisamente nos Estados Unidos.

Numa chamada com analistas, que a propósito da apresentação dos resultados do terceiro trimestre da EDP Renováveis, o CEO Miguel Stilwell de Andrade reconheceu que a empresa vai estar atenta a “eventuais implicações para a execução no curto prazo e para o crescimento”, mas não conta com mudanças “substanciais” e diz-se “confiante” de que a empresa continuará a crescer neste mercado “chave”. Enquanto isso, os economistas falam no “pior pesadelo económico da Europa” e admitem mesmo uma recessão na Zona Euro, que poderá obrigar o BCE a agir.

Já do ponto de vista da associação europeia da indústria eólica, Wind Europe, o importante no rescaldo destas eleições é que “a União Europeia ponha a sua própria casa em ordem”, nas palavras do CEO, GilesDickson. Por isto, entenda-se, “impulsionar a sua autonomia estratégica e competitividade”. No caso particular desta indústria, o desígnio passa por aplicar o Regulamento Indústria de Impacto Zero, reforçando a indústrias intensivas em consumo de energia e também o fabrico de equipamentos de energias limpas, assim como eletrificar o sistema.

Também no segmento das startups há várias empresas fundadas por portugueses sediadas na maior economia do mundo e muitas scaleups a querem também ir para lá. A expectativa do diretor executivo da Startup Portugal é que “não haja aqui nenhuma disrupção violenta e que o bom senso prevaleça”, apesar de pairar a ameaça do aumento das tarifas e de haver já um conflito aberto entre os EUA e a União Europeia por questões de regulamentação na área das tecnológicas.

“Estamos a evoluir para sociedades e para um mundo cada vez mais tolerante, aberto e, no fundo, a conviver com a diversidade. Portanto, tudo o que seja fechar-nos sobre nós próprios e criarmos barreiras e muros pode ser visto com alguma incredulidade ou como um retrocesso. Mas como não foi nada ainda concretizado, acho que temos de distinguir o que é campanha eleitoral das medidas concretas que serão implementadas”, enquadra António Dias Martins.

Rita Maria Nunes é country manager em Portugal da americana The Alternative Board (TAB) e, perante a aplicação de medidas protecionista, releva a provável desvalorização do euro face ao dólar que irá retirar competitividade às exportadoras nacionais.

“Potencialmente, podemos estar a falar numa diminuição das exportações e/ou num encurtamento das margens de lucro, algo que, invariavelmente, vai afetar setores específicos da economia portuguesa, como o têxtil, calçado, agroalimentar e até os componentes para a indústria automóvel”, frisa.

Por outro lado, as empresas internacionalizadas e com unidades de negócio nos EUA “poderão enfrentar desafios adicionais, como alterações nas políticas fiscais e regulamentares que podem impactar as operações e a rentabilidade”.

“Políticas externas mais rígidas como as que estão previstas geram incertezas nos mercados de abastecimento e não será de estranhar o reaparecimento uma nova guerra comercial com impactos imprevisíveis, num ciclo de retaliações entre países. As empresas mais dependentes das suas importações devem preparar a operação para atrasos e relações comerciais mais complexas e onerosas. Principalmente para as PME, que têm menos margem de manobra em termos de cash flow ou elasticidade estratégica para estes cenários, basta uma pequena alteração, por exemplo, nos custos de logística e administrativos dos processos de exportação, para que sintam significativamente esse impacto nas suas operações”, completa a porta-voz desta organização presente em mais de 20 países e que presta serviços de consultoria estratégica.

José Rijo, especialista em Direito Aduaneiro e professor da Universidade Católica, autor de vários livros nesta área, também não tem dúvidas de que “é de esperar uma guerra comercial em larga escala, a qual, necessariamente, atingirá Portugal”. Quer a indústria transformadora e exportadora que terá “dificuldades acrescidas”, quer as fileiras industriais que, à partida, vão sentir o encarecimento dos produtos importados dos EUA, em especial das matérias-primas de que precisam para laborar.

“A adoção de taxas aduaneiras em larga escala aplicáveis aos produtos portugueses, por parte dos EUA, pode conduzir a uma redução significativa das nossas exportações para aquele país, cujas consequências se poderão repercutir em termos económicos e sociais. Por outro lado, e à semelhança do que já sucedeu aquando do primeiro mandato de Donald Trump, a União Europeia deverá retaliar com a implementação de medidas protecionistas de igual medida, o que ainda acarretará mais dificuldades para as nossas empresas”, conclui o partner da portuense SPCA Advogados.


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