Cerâmica, têxtil e fabricantes de componentes automóveis elogiam, mas destacam que limites ao preço do gás natural correspondem apenas a um dos indexantes da formação do preço da eletricidade.
in ECO, por Diogo Ferreira Nunes, 28-04-2022
O acordo ibérico para limitar o preço do gás natural é bem visto pelas indústrias, mas os efeitos são limitados. Esta é a mensagem passada ao ECO pelos líderes das associações empresariais da cerâmica, do têxtil e vestuário, e dos fabricantes de componentes para automóveis, em reação à aprovação da Comissão Europeia da proposta conjunta de Portugal e Espanha para fixar o preço médio do gás natural nos 50 euros por MWh (megawatt-hora) durante um ano.
“Parece-me um acordo muito positivo e que resulta de um bom trabalho dos dois Governos”, destaca o líder da ATP – Associação do Têxtil e Vestuário de Portugal. Mário Jorge Machado acredita que o custo da produção da eletricidade “será mais baixo” e que “todas as indústrias vão ficar a ganhar”.
O dirigente associativo lembra que o gás natural está “cinco a seis vezes mais caro do que há um ano”. Fileiras como as das fiações e das tecelagens têm sido as mais penalizadas pelo “choque elétrico” vivido nos últimos meses — e que foi agravado com a guerra na Ucrânia. Com esta proposta, acredito o presidente da ATP, este setor “pelo menos não terá prejuízo”.
Do lado da indústria da cerâmica, José Luís Sequeira também aponta para uma “medida que faz todo o sentido”, mas com efeitos limitados. “Trata-se apenas de um limite a um dos indexantes da formação do preço de eletricidade, que lhe dá alguma estabilidade”, recorda o líder da APICER – Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica.
Mesmo com o acordo ibérico, o responsável acredita que o setor da cerâmica vai continuar a viver uma situação “crítica”, pois os apoios já publicados para suportar o aumento do preço do gás são “manifestamente insuficientes” e “correspondem apenas ao acréscimo de custos de um mês”.
Na semana passada entrou em vigor o apoio ao aumento dos custos do gás para as empresas intensivas em energia, no valor de até 400 mil euros por cada entidade. A medida tem um orçamento de 160 milhões de euros, mas provoca um sentimento de injustiça no setor. “Uma empresa com maior consumo tem o mesmo tipo de apoios que uma entidade com menos consumo. Tem de haver proporcionalidade”, lamenta.
Nesta indústria, contabiliza o líder associativo, há ainda 15 empresas que estão com as linhas de montagem praticamente paradas, “mantendo apenas o canal de vendas a funcionar para escoar o stock”. “Quanto mais trabalharem as empresas, mais consomem e mais dinheiro perdem”, detalha José Luís Sequeira.
O cenário na indústria de componentes para automóveis é ainda mais dramático. “O acordo tem um efeito indireto, pois as nossas empresas não utilizam o gás como fonte primária de energia. Não temos sequer acesso às linhas de crédito”, desabafa José Couto.
O líder da AFIA – Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel insiste na reposição do mecanismo de lay-off simplificado – o trabalhador recebe 100% do ordenado, suportado pela Segurança Social em 70%. “Mais do que baixar o défice, as empresas do setor não podem perder competitividade e trabalhadores”.
Um inquérito da CIP divulgado esta quarta-feira, que mostra os impactos da guerra na Ucrânia, evidencia que a reintrodução do regime de lay-off simplificado só colhe a preferência de 17% das empresas, quando questionadas sobre as medidas prioritárias que o Governo deveria optar nesta fase. Muito atrás da redução do IVA ou do ISP na área da energia (75%), dos apoios diretos às empresas mais atingidas (65%), de uma “intervenção nos mercados energéticos” (45%) ou de novas linhas de crédito com garantia do Estado (37%).
Durante a conferência de imprensa de apresentação deste estudo, questionado sobre este acordo ibérico, o vice-presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal considerou-o uma “boa notícia”, embora tenha lembrado que a subida dos custos da energia já estava em marcha antes da guerra na Ucrânia. “O problema foi potenciado e teme-se que aumente mais se houver menor oferta. Mantendo-se ou aumento um pouco o nível de procura, o preço tende a subir”, receia Armindo Monteiro.
Costa Silva ouve queixas dos industriais
O novo ministro da Economia andou a ouvir as associações industriais nos últimos dois dias. António Costa Silva esteve no Norte do país para encontros de trabalho com vários setores: metalurgia e metalomecânica, fundição, indústria automóvel, setor elétrico, cortiça, indústria extrativa, moldes, calçado, cerâmica e conservas de peixe.
“António Costa Silva encontrou agentes motivados, mas apreensivos com o atual contexto económico, tendo demonstrado o total apoio do Governo em promover uma economia mais capacitada e resiliente, capaz de fazer face aos principais fatores que preocupam as empresas nacionais”, refere uma nota do gabinete do ministro, enviada esta quarta-feira às redações.
Um raciocínio simples, quiçá até simplista:
– uma empresa sofre, na conjuntura actual, com uma baixa de encomendas muito significativa, assim se vendo, conjunturalmente, com uma força de trabalho sobre dimensionada face às necessidades;
– simultaneamente, vê subirem os custos dos diversos factores de produção de forma dramática, com especial incidência na energia e matérias primas;
– a resistência dos clientes a aumentos de preços, que reflictam o aumento de custos, é enorme, em especial no sector automóvel;
– a pretender manter-se o nível possível de saúde operacional, os custos têm de ser reduzidos, eliminando todos os gastos desnecessários, como se torna claramente o caso dos custos com trabalhadores conjunturalmente excedentários;
– uma vez eventualmente superada esta conjuntura, será crucial que a estrutura, quer financeira quer operacional, possa voltar rapidamente aos níveis anteriores, nomeadamente repondo a força de trabalho, directamente em linha com a recuperação de encomendas;
– num país em que o lay-off normal é tudo menos normal, isto é, não cumpre nenhuma das finalidades supostas, não reduzindo significativamente os custos das empresas em dificuldades nem sendo ágil para fazer face à natureza volátil dos problemas conjunturais.
Tudo isto considerado, alguém me explica como é que o lay-off simplificado pode não ser considerado uma medida fundamental na situação actual?
Mais, como pode ficar atrás de linhas de crédito? As empresas com custos elevados e não produtivos devem tentar resolver o problema subscrevendo mais dívida, piorando a sua situação estrutural para a retoma?
Pela minha parte, força AFIA na reivindicação sobre o lay-off simplificado e bem hajam por essa luta.