O secretário de Estado da Inovação explica a reformulação do programa de revitalização das empresas, as novas formas de financiamento e capitalização das PME e os recursos do banco de fomento.
in Diário Económico, por Mónica Silvares, 08-01-2015
Revitalização As empresas em dificuldades receberão um alerta numa lógica simples de semáforo e as que foram alvo de uma reestruturação vão ter uma linha de apoio de 50 milhões.
A ‘troika’ exigiu e o Governo reformulou o programa de revitalização das empresas. São várias as alterações introduzidas e que estarão em vigor este ano. As empresas vão receber um alerta caso estejam em dificuldades financeiras. O sistema funcionará como uma espécie de semáforo para evitar que as empresas cheguem tarde demais aos mecanismos de revitalização, revela o secretário de Estado da Inovação em entrevista ao Económico. Pedro Gonçalves adianta que será reduzida a percentagem mínima para a aprovação de um PER, passa de uma maioria qualificada para uma maioria simples dos credores presentes, e as empresas em revitalização terão planos de pagamento a dez anos, ao Fisco e à Segurança Social, além de uma nova linha de crédito de 50 milhões.
O Programa de Revitalização de Empresas recebeu fortes críticas da ‘troika’, o que levou o Executivo reformulá-lo. Quais as alterações?
Fizemos uma intervenção profunda no sistema, que se compõe de várias intervenções. O primeiro eixo é o que chamamos de avaliação inicial alarmística, para permitir identificar às empresas que a sua estrutura financeira está em dificuldades. Montámos um sistema de ‘early warning’ a nível mais central pelo Banco de Portugal – que já o tem em funcionamento -, mas também ao nível da Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua (SPGM), e das SGM, através das linhas de garantia. Iremos notificar as empresas, a partir de 2015, da sua situação financeira. Uma coisa muito simples, numa lógica de semáforo, dando nota de qual é a avaliação. Uma espécie de ‘rating’ que avalia a empresa.
Essa avaliação será feita com que periodicidade?
Anual. A empresa será informada à medida a que vai fazendo operações, vai recebendo várias vezes a mesma avaliação de ‘ra- ting’ que tem. Exemplo: fez uma linha PME Crescimento, os seus rácios de avaliação são estes, você está verde, amarelo ou vermelho.
Ou seja, cada vez que utilizam um instrumento do Estado, vão tendo esse ‘feedback’. Isso é muito importante até para reagirem, para perceberem onde está o problema e começarem a pensar em estratégias, conjugadas até com outros instrumentos. Um segundo aspecto é trabalharmos quando as empresas entram em situação de dificuldade, fazermos uma aferição mais clara de quais as dificuldades. Há dois tipos de dificuldades – financeiras e operacionais – que podem conjugar-se. A pergunta a que queremos responder é: estamos perante uma empresa que é operacionalmente viável mas está financeiramente em dificuldade; ou uma empresa que está financeiramente em dificuldade mas operacionalmente já não.
É um processo claro de insolvência.
…de insolvência. Mas, se a empresa é operacionalmente viável, mas, por um conjunto de decisões erradas, está financeiramente em dificuldade, então temos de actuar ao nível da estrutura financeira para permitir que essas dificuldades passem para a parte operacional.
E como se pode actuar a esse nível?
Primeiro é preciso identificar o problema e perceber qual o nível adequado de estrutura financeira – de dívida e de reforço de capitais – que a empresa precisa para ser financeiramente viável. Essa é primeira avaliação que vamos fazer, que conduzirá a dois caminhos: insolvência ou revitalização. Quando fazemos a revitalização, através de um PER ou de um acordo extra judicial, então a empresa reforça capitais, converte dívida em capital, faz um ajuste do seu passivo, de maneira a ficar financeiramente viável. Dado que já era operacionalmente viável, terá aqui as condições de seguir o seu caminho normal de crescimento. É quase como um renascer da própria empresa e então – através das linhas de crédito – apoiá-las com fundo de maneio.
Essa linha será uma linha dedicada especificamente para as empresas que passam pelo processo de revitalização?
Exactamente. É uma linha de crédito para fundo de maneio, para apoiar empresas após um processo de revitalização.
Qual será o montante da linha?
Estamos a pensar, para um primeiro teste, lançar uma linha à volta de 50 milhões de euros.
As empresas também podem usar instrumentos de capitalização como os híbridos e convertíveis?
Podem. Estando financeiramente saneadas, operacionalmente viáveis têm todas as condições de acederem a instrumentos de ‘equity’, de ‘quasi- -equity’, aos instrumentos normais depois de financeiramente viáveis. Um dos aspectos importantes que fazemos nesta intervenção é criar condições mais fáceis da própria reestruturação financeira.
Há mais alterações?
Há uma intervenção cirúrgica, mas muito importante, que é a redução da percentagem mínima para a aprovação de um PER, passamos de dois terços de credores presentes (uma maioria qualificada), para uma maioria simples (metade). Isto aumenta significativamente o campo de convergência de credores e de decisões dos próprios credores como a conversão de dívida em capital ou sobre a própria gestão futura da empresa.
O Estado será mais benevolente nesses processos?
Até aqui o Fisco era o grande responsável pelo chumbo de vários PER. Sem defender os meus colegas dos Assuntos Fiscais ou da Segurança Social, porque não precisam, não compro essa formulação, porque em muitas das contribuições o Estado não é verdadeiramente o dono dessas contribuições. Quando uma empresa retém a Segurança Social esse dinheiro é dos trabalhadores. Se o Estado fizesse um perdão dessas contribuições, seriam os trabalhadores afectados.
A crítica é mais dirigida ao Fisco do que à Segurança Social e tem a ver com a necessidade de receita do Estado.
Com os impostos é a mesma coisa. O IVA é um imposto comunitário. As retenções que a empresas fazem para o IRS são impostos que dos trabalhadores, portanto o Estado não pode perdoar.
Mas pode fazer planos de pagamento.
E faz. Um dos aspectos, nesta vertente, foi fazer planos de pagamento a 120 meses (a dez anos), quer na Autoridade tributária quer na Segurança Social.
Mas as necessidades de financiamento do Estado têm vindo a impedir esses pagamentos em prestações.
Se uma empresa depois de estruturada, em dez anos, não consegue regularizar as suas contribuições, então o problema não está nas contribuições, mas na empresa. As empresas não podem sobreviver sem ter capacidade de criar valor. Uma empresa que não crie valor não é um activo, é um passivo. As empresas que não têm capacidade de gerar valor têm de sair do mercado para dar lugar a outras.
Quantos alertas precoces já foram disparados pelo Banco de Portugal?
Não tenho ideia, mas rondam uma larga dezena. O Banco de Portugal questiona os próprios bancos em relação às previsões das empresas o que gera um dinamismo positivo relativamente ao comportamento da banca comercial em relação aos próprios riscos das empresas.
“Vamos lançar no primeiro trimestre uma nova linha de crédito”
O Governo reduziu o número de linhas de crédito e concentrou tudo na PME Crescimento.
Governo vai reeditar este ano a linha de crédito bonificado PME Crescimento. “Iremos lançá-la durante este primeiro trimestre”, revela Pedro Gonçalves. O secretário de Estado da Inovação explica que a linha actual já tem uma execução de 1.100 milhões de euros e e será fechada “em torno dos 1.500 milhões, 1.300 milhões”.
É intenção do Executivo lançar uma nova linha de crédito em 2015 à semelhança do que vindo a ser feito nos últimos anos? Qual será a dotação?
Estamos a trabalhar nela neste momento. Iremos lançá-la durante este primeiro trimestre.
Qual a execução da linha anterior?
Tem cerca de 1.100 milhões de euros executados.
O que representa quanto em termos de percentagem do valor global da linha?
A linha foi criada com dois mil milhões.
Ainda tem alguma margem de 45%.
São anuais mas, normalmente, não começam em Janeiro, mas sim no final do trimestre. Fecharemos a linha em torno dos 1.500 milhões, 1.300 milhões. Em torno desse valor. E lançaremos uma nova linha.
Entre as intenções do Executivo também estava a criação de linhas de crédito sectoriais. Essa ideia continua a vigorar?
Este Executivo só tinha uma única linha sectorial, que era uma linha para o turismo, muito específica. De resto, o que procurámos fazer foi reduzir o número de linhas e concentrar tudo na PME Crescimento. Os portugueses são, muitas vezes, latifundiários de pensamento, mas minifundiários de acção. Gostamos de pensar e depois adoramos dividir, dividir, dividir. E a divisão raramente tem vantagens, principalmente porque perde- -se escala e operacionalidade, aumentam-se brutalmente os custos operacionais e perde-se um factor importantíssimo na distribuição.
Quem distribui estas linhas é a banca privada.
Quem distribui é a banca comercial e as empresas são os clientes. As empresas o que querem saber é que têm uma linha que lhes sirva as necessidades, e que são grosso modo quatro: fundo de tesouraria/fundo de maneio, investimento, internacionalização e expansão. O que fizemos na linha PME Crescimento 2014 foi ter estas quatro gavetas, que não são estanques, ou seja, não alocámos ‘plafonds’; prever na própria estrutura financeira da linha prazos que vão desde o curto prazo a dez anos, ‘spreads’ correspondentes com esta tipologia de prazos e permitir que todos os sectores possam aceder a uma linha. A nossa estratégia passa por ter menos instrumentos mais potentes do que estar a endereçar lobbys, ou questões mais políticas, ter a linha para o sector A ou B, porque isso perde imensa escala e tem custos Qual foi a gaveta mais utilizada? Foi a do investimento e fundo de maneio. Elas acabam por se confundir. O fundo de maneio vai até três anos e há empresas que financiam pequenos investimentos com fundo de maneio.
Banco de fomento dedica 750 milhões para capitalização
Os fundos comunitários asseguram 1.500 milhões à Instituição Financeira de Desenvolvimento. Metade será para capitalização.
O banco de fomento, que tem por função colmatar as falhas de mercado em termos de financiamento e capitalização das PME, vai dedicar cerca de metade da sua dotação inicial de 1.500 milhões de euros, assegurada por fundos comunitários, a apoiar instrumentos de dívida.
“Não há um número rigoroso, mas estamos a apontar para cerca de 750 milhões de euros para apoiar instrumentos de dívida e cerca de 750 milhões para apoiar instrumentos de ‘equity'”, disse ao Económico o secretário de Estado da Inovação. Pedro Gonçalves acrescentou que, à semelhança do que aconteceu com os Fundos Revitalizar, “o objectivo do Governo é atrair investidores que multipliquem em ‘equity’ os 1.500 milhões e depois multiplicar no desdobramento de capital”.
O responsável reconheceu que uma das prioridades da nova administração da Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), vulgo banco de fomento, será pôr “em execução os protocolos” assinados com o congénere alemão Kfw e outros, assim como os instrumentos bilaterais. “A nova administração vai ter o trabalho de executar, criar o banco. Tem de constituir equipas, ter sistemas, etc. Estes 1.500 milhões estão reservados. Agora tem de se executar. Há muita diferença entre reservar e a execução que é o mais difícil”, reconheceu, sublinhando que “a IFD está constituída com 100 milhões de euros de capital que tem de começar a utilizar”.
Esses 100 milhões foram angariados a partir de uma grande reestruturação dos instrumentos e veículos de apoio de que o Ministério da Economia já dispunha. “O objectivo foi dar uma coerência aos instrumentos financeiros do Estado” e “gerar poupanças, sobretudo indirectas” , disse Pedro Gonçalves.
A poupança mais significativa, reconhece o secretário, é conseguida “na optimização da gestão”, de instrumentos como a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua, a PME Investimentos, a Portugal Ventures e a Sofid, embora admita que existirá também “obviamente, uma optimização operacional”, que “ainda não está feita”. “Será feita à medida que esta integração aconteça”.
“O objectivo é integrar o que é integrável”, concluiu. Mas a decisão não está inteiramente nas mãos do Governo. A Comissão Europeia ainda tem uma palavra a dizer porque “a IFD está sujeita à supervisão” do Banco Central Europeu da Comissão Europeia. “Não quer dizer que essas sociedades não possam permanecer autónomas por razões jurídicas, de optimização ou de balanço. O objectivo político é assegurar que há uma lógica integrada na gestão dos instrumentos financeiros do Estado. Queremos que as equipas possam ser únicas”, concluiu.
“PME vão poder emitir convertíveis e obrigações preferenciais”
“Sentimos uma procura crescente por estes instrumentos”, diz Pedro Gonçalves.
As empresas em Portugal só têm duas alternativas de financiamento: através de capital próprio ou de dívida bancária. Noutros países não é assim. Há todo um outro conjunto de instrumentos: obrigações e acções preferenciais e obrigações convertíveis. O Governo modernizou os instrumentos de capitalização das empresas e agora, em Portugal, também já existem.
Como podem as empresas fortemente descapitalizadas continuar a financiar investimento?
Através da Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), de todo o regime de apoio e de bonificação das linhas de crédito bonificadas e a revisão de todo o processo de revitalização. Uma das áreas em que intervimos foi a da modernização de instrumentos de capitalização das empresas. Um dos problemas é que as empresas em Portugal só têm duas alternativas: ou capital próprio ou dívida bancária e noutros países há todo um outro conjunto de instrumentos: obrigações preferenciais, convertíveis, normais, que preenchem e estruturam de uma forma mais diversificada de partilha de risco de outros intervenientes as estruturas de capital das empresas.
Como será possível aplicar esses instrumentos nas empresas? Até aqui alguns estavam mesmo vedados às empresas.
Grande parte destes instrumentos existia no nosso código das sociedades comerciais, mas numa lógica de financiamento das ‘holdings’ bancárias e das grandes empresas. Mas não as PME.
Não as PME.
Esse é um mercado que, por várias razões, era inexistente. Razões como a incapacidade de as empresas acederem a esses mercados. O convertível não diz nada do ponto de vista real. É uma obrigação que se pode converter em acção em determinadas circunstâncias. Mas permite endereçar um conjunto de problemas práticos na gestão das empresas. Sabemos que muitas das PME portuguesas têm dificuldade em que os sócios aceitem outros accionistas. Uma convertível pode resolver este problema, porque quem entra, fá-lo como obrigacionista que só converte em accionista em determinadas circunstâncias. A responsabilidade de essa conversão acontecer até é da própria gestão. Alargamos a base de investidores que podem investir nas nossas PME.
E como vão ser operacionaliza- dos de que forma?
Tal como os fundos estes instrumentos vão depender da procura das empresas. As empresas vão ficar com a possibilidade de emitir convertíveis, obrigações e acções preferenciais e, por essa via, reforçar de formas que não tinham até hoje as suas estruturas de capital. Agora têm de o fazer.
As PME são suficientemente atractivas para os investidores, nomeadamente estrangeiros?
Não fizemos estas medidas por gáudio ou divertimento, sentimos uma procura crescente por estes instrumentos por um conjunto relevante de investidores, até investidores já presentes, portugueses e estrangeiros. Por exemplo, ao nível dos fundos de ‘priva – te equity’ é uma questão que recorrentemente nos fazem sentir a necessidade de estes instrumentos existirem, a própria imprensa dá muito nota da dificuldade e necessidade de abrirmos o mercado de emissões de obrigações para PME. Vemos em Itália esse mercado a florescer, em Espanha tem muito mais dinamismo do quem Portugal. Acreditamos que é sempre uma conjugação entre oferta e procura, mas se não tivermos o instrumento aí é que a oferta e procura não se conseguem encontrar.