Portugal tem cada vez mais empresas a fazer produtos inovadores e únicos para todo o mundo
in Expresso, textos Ana Baptista, foto Lucília Monteiro, 06-01-2023
A origem da Celoplás começa em 1986 com uma história de amor, neste caso, a história do amor de João Cortez pelos plásticos. É o próprio que o afirma perentoriamente: “A Celoplás nasceu porque me apaixonei pelos plásticos”, conta. Mas começa também com uma oportunidade de mercado, quando João Cortez percebeu que a Philips em Portugal importava 100% dos seus componentes e então decidiu criar a CCL — Plásticos precisamente para os produzir. “Em quatro ou cinco anos, a Philips passou a importar apenas 5%”, acrescenta. Três anos depois, em 1989, João Cortez e José Artur Campos Costa fundam a Celoplás, que, em 1996, passa a integrar a CCL, hoje uma das principais empresas do grupo, especializada em microcomponentes para o sector automóvel, médico e elétrico. Ou seja, peças de plásticos compósitos tão pequenas e tão técnicas que precisam de empregados especializados, computadores e máquinas de alta precisão em constante atividade.
O percurso da Controlar, uma produtora de máquinas para testar sistemas de eletrónica automóvel é semelhante ao da Celoplás. Foi fundada em 1995 por Pedro Torres e Fernando Leite quando ambos trabalhavam na Blaupunkt, hoje a Bosch de Braga. Nessa altura, todas as máquinas de teste vinham da Alemanha, até que os dois engenheiros decidiram que podiam fazer eles as máquinas e fornecê-las à marca alemã. E assim foi, já lá vão 28 anos.
Estas duas histórias que aqui contamos não ocorreram por acaso. Ambas são exemplo de como a ligação a uma multinacional estrangeira, que aposte na inovação e na criação de produtos únicos, pode ajudar as empresas e a economia portuguesa a crescer. Neste caso, tanto a Celoplás como a Controlar começaram como fornecedoras da Bosch Portugal, em Braga, mas quando, em 2012, a marca alemã fez uma parceria com a Universidade do Minho para investigar e desenvolver produtos e tecnologias inovadoras, estas duas empresas passaram de simples fornecedoras a parceiras e o crescimento foi ainda mais expressivo. E sempre sem estar a trabalhar em exclusivo para a Bosch.
“Nós tínhamos o conhecimento e a técnica, a universidade veio ajudar a perder o medo, a inovar, a comunicar em inglês e a Bosch lançou-nos desafios reais e permitiu-nos concretizar alguns sonhos que já tínhamos desde que começámos a investir em inovação”, conta João Cortez. E “ajudou-nos a dar o salto e a aumentar a dimensão do mercado. Temos clientes na China que nem conhecemos e estamos a chegar ao Japão”, acrescenta. Além disso, até este momento, já registaram seis patentes e 95% do que produzem é para exportação. “Vale a pena a economia da inovação. Quem não inovar não sobrevive e apesar das nossas burocracias (ver caixa), podemos ser felizes a partir daqui”, diz
A Controlar é outra prova disso. “Antes de 2010 tínhamos uma faturação inferior a €1 milhão e em 2022 vamos fechar com €33 ou €34 milhões”, conta Pedro Torres, notando que isso só foi — e é — possível porque, além de Portugal, têm fábricas no México, Espanha e Malásia e centros de suporte técnico na Alemanha, Índia, China e Marrocos, onde trabalham mais de 350 pessoas. “Não conseguiríamos ter o crescimento que tivemos só em Portugal”, acrescenta.
O MODELO DE GESTÃO CERTO
Para Pedro de Faria, professor de Gestão na Universidade de Groningen, na Holanda, este é o tipo de modelo de gestão de que Portugal precisa, mas infelizmente ainda há muitas empresas tradicionais que não conseguiram dar esse salto. E nem sempre é por falta de capital, mas por falta de capacidade de correr riscos. “O retorno para as empresas é muito significativo e é pena que não haja mais a apostar neste modelo de negócio e não se envolvam mais. Ainda desconfiam e pensam que vão perder independência”, acrescenta Carlos Ribas.
Este modelo de gestão é também benéfico para as multinacionais e, consequentemente, para o país, repara Pedro de Faria. “A melhor forma de uma multinacional permanecer no país em que está é criar raízes”, explica, tal como acontece com a Bosch, a Autoeuropa ou a Peugeot Citroën. “O que atraiu estas empresas foram os salários baixos, mas têm sido as competências dos trabalhadores que as fazem ficar”, repara Carlos Ribas, lembrando que a Bosch está com obras nas três fábricas que tem no país e tem planos para contratar mais pessoas, principalmente nas áreas da inovação.
Além disso, repara o presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), José Couto, estas multinacionais trazem consigo o poder de arrastamento, ou seja, há empresas nacionais que se mudam para junto delas e outras empresas estrangeiras que lhes seguem os passos, fazendo mais parcerias com fornecedores portugueses, criando mais inovação e mais produtos de valor acrescentado que depois vão gerar mais dinheiro e permitir pagar melhores salários. “É um círculo virtuoso e viciante”, conclui Carlos Ribas.
OS DESAFIOS QUE ENFRENTAMOS: DEBATE 6
O tema deste artigo será analisado num debate na SIC Notícias a 10 de janeiro, às 20h, onde estarão Carlos Ribas, representante da Bosch em Portugal; João Gomes da Silva, diretor comercial da Sogrape; Nuno Sebastião, CEO da Feedzai; e Nini Andrade Silva, do Atelier Nini Andrade Silva. Este artigo e debate enquadram-se na parceria entre Impresa e a Fundação Francisco Manuel dos Santos que procura dar resposta à pergunta: “O que Portugal precisa para crescer?”.
PROJETOS INOVADORES E O QUE AINDA OS TRAVA
? Em 2019, o Governo português propôs à Bosch criar um clube de fornecedores para aumentar o número de empresas portuguesas a trabalhar com eles. Os fornecedores teriam, contudo, de ter “capacidade de inovar e de se tornarem um player internacional”, diz Carlos Ribas, porque o objetivo era ajudar a capacitar estas empresas para que pudessem crescer em clientes e mercados. Até porque nenhuma delas podia ter mais de 50% do seu negócio na Bosch.
? O programa, que termina este ano, tem 18 fornecedores que estão a trabalhar em parceria com a Bosch e com a Universidade do Minho para desenvolverem novos produtos como, por exemplo, um novo sistema de testes da eletrónica dos automóveis que incorpora inteligência artificial e reduz a percentagem de falhas.
? Este é um programa comparticipado pelo Estado português e por fundos europeus em mais de €22 milhões, dos quais quase €15 milhões são para os fornecedores investirem em inovação, criarem empregos e pagarem melhores salários a trabalhadores mais qualificados.
? De acordo com Carlos Ribas o projeto tem tido um impacto significativo e já há até outros clubes de fornecedores em curso na Autoeuropa e na Peugeot Citroën. Mas, para Pedro Torres, apesar de ser uma iniciativa do Governo, também aqui se revelaram as burocracias do Estado.
? Outro dos entraves é a falta de confiança nas instituições e dentro delas, o que cria mais burocracias, diz Pedro de Faria. E também a falta de infraestruturas de transporte adequadas, repara José Couto. Porque, explica, podemos inovar e ter produtos únicos, mas sem um ligação de comboio direta para a Europa, como acontece hoje, sai mais caro exportá-los, seja porque demoram mais tempo a chegar ao destino ou porque é preciso pagar mais para ir de camião.
A fábrica da Bosch em Braga tem sido, em parceria com a Universidade do Minho, um centro de inovação para muitas empresas nacionais, principalmente na área dos microcomponentes, da tecnologia e da inteligência artificial