Da indústria à agricultura, saiba o que pedem as empresas ao Governo para enfrentar a guerra comercial
Redução dos impostos, lay-off simplificado e apoios à promoção internacional são algumas das medidas que os patrões estão a pedir ao Governo para mitigar os efeitos das tarifas de Trump na economia lusa. Mas sem esquecerem o consumidor
in Expresso, por Margarida Cardoso, 08-04-2025
E se passar a pagar menos dinheiro pela comida e ficar com um orçamento maior para gastar consigo, com a casa, com o automóvel? Para a CIP – Confederação Empresarial de Portugal, esta pode ser uma solução para responder ao impacto expectável das tarifas impostas por Donald Trump sobre as importações e atenuar o impacto da guerra comercial na economia lusa. “Temos de aumentar a procura interna e se o Governo reduzir o IVA sobre os produtos alimentares, as pessoas vão ficar com mais dinheiro para consumirem”, diz ao Expresso Armindo Monteiro, presidente da CIP, depois de propor ao Governo “uma medida temporária” com taxas de 6% num pacote restrito de alimentos, de acordo com as regras comunitárias, e de 13% nos outros produtos.
Atento às especificidades da tributação num sector em que “o peixe fresco tem taxa reduzida e o peixe congelado paga a taxa máxima, assim como a fruta natural paga taxa reduzida, enquanto as conservas de fruta têm taxa máxima”, Armindo Monteiro aproveitou a série de encontros do Ministério da Economia com confederações e associações empresariais sobre o impacto das tarifas de Trump e medidas de mitigação para defender uma ideia que “contesta a penalização da indústria transformadora, aumenta o poder de compra dos portugueses e, desta forma, pode ajudar toda a indústria”.
A pensar diretamente nas empresas, sugere a possibilidade de deduzir prejuízos e abater o valor do investimento realizado em sede de IRC, assim como apoios para as empresas terem liquidez e seguros de crédito na exportação.
Mas as propostas apresentadas pela CIP e pelas diferentes associações setoriais são abrangentes, indo das questões fiscais ao emprego, às necessidades de tesouraria ou apoios à internacionalização. E a indústria portuguesa não esquece o pacote de 14 mil milhões de euros apresentado por Espanha já na semana passada para proteger uma economia cinco vezes maior do que a portuguesa do embate das tarifas de Trump. A CIP também chama a atenção para as especificidades de cada sector e a necessidade de a Europa falar “a uma só voz”.
“Temos de estudar bem as medidas do governo espanhol porque está em causa um dos nossos grandes concorrentes”, diz Paulo Gonçalves, porta-voz da APICCAPS, a associação da fileira do calçado, começando por colocar o foco no reforço dos apoios à comunicação e promoção internacional. “Já cobriram 75% da despesa e atualmente não passam os 50%”, refere Paulo Gonçalves, certo de que vale a pena continuar a investir nos Estados Unidos da América (EUA), um “mercado estratégico” que duplicou as compras em Portugal na última década e ocupa o sexto lugar no ranking dos maiores clientes do sector, mas com uma aposta crescente na diversificação para destinos como o Japão ou a Coreia do Sul.
O modelo Covid
“Desburocratizar os apoios à internacionalização” é, também, uma prioridade para a AIMMAP, a associação da fileira metalúrgica. “Há constrangimentos brutais neste domínio e muitas dificuldades na tomada de decisões desde o processo da Operação Maestro (investigação sobre desvio de fundos europeus)”, comenta Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP, com novos mercados-alvo na mira, do Canadá ao Médio Oriente e Mercosul .
Já na indústria automóvel, a prioridade está mais “na recuperação do lay-off simplificado, uma medida que provou ser eficaz e eficiente quando enfrentámos a pandemia de covid-19 e poderá ser muito útil a empresas confrontadas com cancelamento de encomendas, mas que têm de continuar a pagar salários e querem manter as equipas”, afirma José Couto, presidente da associação setorial AFIA. “Diversificar mercados estará mais nas mãos dos nossos clientes, que são operadores globais, mas vamos obviamente esforçar-nos para chegar a novos destinos”, afirma o dirigente, preocupado com a “adoção de medidas que mantenham o país competitivo face aos parceiros europeus”.
“Propomos medidas muito semelhantes às que foram aplicadas para ajudar a indústria durante a pandemia, quando enfrentámos uma redução de atividade e dificuldades de tesouraria, incluindo o lay-off simplificado”, concorda Mário Jorge Machado, presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, à espera de uma “quebra de confiança dos consumidores e redução significativa de encomendas” num quadro em que as importações têxteis da Europa já pagavam taxas de 6% a 33% nos EUA e são agravadas em 20%, enquanto a penalização sobre os têxteis da Turquia é de 10%”.
As missões apontam novos alvos
A AEP – Associação Empresarial de Portugal admite “bastante preocupação” com o impacto das tarifas “pois as empresas portuguesas vão ser fortemente afetadas por via direta, porque as exportações de bens ficarão mais caras para o mercado americano, o nosso quarto principal cliente e o primeiro não europeu, com um peso de cerca de 7% no valor global das exportações portuguesas de bens. Mas também por via indireta, sobretudo pelo impacto que a União Europeia, para onde dirigimos mais de 70% das nossas exportações, vai sofrer e que se repercutirá na dinâmica da procura externa dirigida à economia portuguesa”.
“O Banco de Portugal já sublinhou que um choque de tarifas poderá gerar um impacto negativo de 0,9 pontos percentuais no crescimento do PIB português já este ano, um sinal muito preocupante, tendo em conta que a magnitude deste impacto corresponde a cerca de 40% do crescimento projetado para a economia portuguesa para 2025”, nota Luís Miguel Ribeiro, presidente do conselho de administração da AEP, defensor de um conjunto de medidas para “a melhoria da produtividade e competitividade das empresas, designadamente ao nível do estímulo à reindustrialização, ao redimensionamento empresarial e à diversificação de mercados, sem esquecer a diminuição da excessiva burocracia e regulamentação em toda a relação do sector público com as empresas”.
Quanto “à urgência de diversificar mercados”, a AEP responde com as missões empresariais em curso no Canadá, Uzbequistão, Cazaquistão e Singapura, a que junta um programa de participação em feiras que passa pelo Brasil, Peru, Colômbia, Costa do Marfim e Camarões.
“Realidades diferentes” na agricultura
Mas a agricultura também está em alerta. “Os sectores mais afetados pelas tarifas dos EUA serão o vinho, o azeite e a cortiça”, adianta Luís Mira, secretário-geral da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal, que já alertou o Ministério da Agricultura para o facto de cada um deles “viver realidades diferentes” e pediu “o estudo de uma medida fiscal em sede de IRC para compensar quem exporta para os EUA”, a par de apoios à promoção, da agilização do acordo do Mercosul, “importante na abordagem ao Brasil”, e de um trabalho de monitorização permanente das tarifas e das suas consequências.
No caso do vinho, “estamos a falar de exportações de 100 milhões de euros, dois terços das quais relativas a vinho do Porto, o que significa garrafas de valor elevado que não se vendem facilmente num destino alternativo”, refere Luís Mira.
“É verdade que não sabemos qual será o impacto das tarifas no consumo dos EUA e as grandes empresas conseguiram antecipar-se a Trump e colocar no destino vinho para satisfazer uns seis meses de procura, mas as exportações de vinho da Europa para o país rondam os 5 mil milhões de euros, o que significa que além do impacto direto, teremos de enfrentar muito maior pressão no mercado internacional em geral. Isto num momento de quebra do consumo de vinho”, nota Luís Mira, sem esquecer que as tarifas sobre o vinho europeu são de 20% e sobre o vinho do resto do mundo são de 10%, com exceção da África do Sul, penalizada com taxas de 30%. E o que acontecer no vinho “afeta imediatamente a cortiça (rolhas)”, comenta.
No que respeita ao azeite, a CAP defende o reforço da promoção em países como Brasil e a Coreia do Sul, enquanto a Casa do Azeite aponta também o Canadá, o norte da Europa e a Ásia como alvos e defende “um plano robusto de diversificação de geografias”. “Exportamos 21 milhões de euros para os EUA, que é o mercado mundial que mais cresceu e está no top 10 dos nossos principais destinos e sabemos que o impacto das tarifas será sempre negativo, mesmo quando toda a Europa está na mesma situação, até porque somos penalizados com taxas de 20% enquanto a Turquia terá apenas taxas de 10%”, precisa Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite.
Portugal vs Espanha
E o facto de Portugal ter começado a ouvir as associações empresariais uma semana depois de Espanha anunciar o seu pacote de apoio à economia preocupa os patrões portugueses? O não parece ser uma resposta consensual. Afinal, “o que se vai passar efetivamente ainda é algo indefinido”, como refere Mário Jorge Machado. E “ainda estamos dentro dos prazos expectáveis”, sublinha Rafael Campos Pereira, da AIMMAP.
“O mais importante é que Portugal tenha um plano exequível e pode até ser um plano mais ambicioso do que o espanhol”, acredita Armindo Monteiro, da CIP, animado por ver que as reuniões no Ministério da Economia contaram, também, com a participação dos ministérios dos Negócios Estrangeiros e Finanças, IAPMEI, AICEP e Banco Português de Fomento e “as opiniões das empresas estão a ser ouvidas pelo Governo”.