Representa 7% do Produto Interno Bruto europeu e emprega, direta e indiretamente, cerca de 13 milhões de pessoas, dos quais mais de 100 mil em Portugal. Pressão da transição energética, regulação exigente, e concorrência de marcas chinesas nos elétricos pressionam fabricantes automóveis e indústria de componentes.
in Dinheiro Vivo, por Fátima Ferrão, 21-09-2024
Os novos objetivos de CO2, definidos pela Comissão Europeia para 2025, estão a preocupar os construtores automóveis europeus que esta quinta-feira se uniram num pedido de ajuda urgente a Bruxelas. De acordo com o comunicado divulgado pela Associação dos Construtores Europeus de Automóveis (ACEA), que já não inclui o grupo Stellantis, os fabricantes apelam “às instituições europeias para que proponham medidas de ajuda urgentes antes da entrada em vigor dos novos objetivos de CO2 para os automóveis e as carrinhas em 2025”.
A associação considera que não pode cumprir o endurecimento das normas de emissão de CO2 em 2025, nomeadamente devido à erosão das vendas de automóveis elétricos.
Graças à expansão dos veículos elétricos e à melhoria dos motores de combustão, os construtores automóveis têm cumprido até agora a norma CAFE (Corporate Average Fuel Economy), que os obriga a respeitar uma média anual de emissões por carro vendido, sob pena de pesadas multas.
Mas, o declínio constante das vendas de automóveis elétricos desde o final de 2023 (12,6% das vendas na Europa nos últimos doze meses, em comparação com 13,6% um ano antes) complica as coisas. “Estamos a desempenhar o nosso papel na transição” através da eletrificação dos veículos, mas “faltam-nos as condições essenciais para estimular a produção e a adoção de veículos com emissões zero: infraestruturas de recarga e distribuição de hidrogénio, bem como um ambiente de produção competitivo, energia verde acessível, incentivos fiscais e subsídios à compra, e um fornecimento seguro de matérias-primas, hidrogénio e baterias”, dizem os fabricantes.
A possibilidade de virem a receber multas pesadas pelo incumprimento está a revoltar os construtores automóveis, que se veem na iminência de serem obrigados a fazer cortes na produção, a reduzir equipas de trabalho ou a desacelerar os seus investimentos na neutralidade carbónica. Os resultados deste cenário terão impacto económico direto nos vários Estados-membros, e enfraquecerão a indústria automóvel europeia, já fragilizada.
Aliás, a Volkswagen anunciou, já este ano, o despedimento de milhares de trabalhadores em 2025 e admitiu, este mês, a possibilidade de encerrar algumas das fábricas que detém em solo europeu. Também a Audi anunciou recentemente a hipótese de fechar a sua fábrica de Bruxelas devido às fracas encomendas do modelo Q8 e-tron, o que resultou num conjunto de manifestações por parte dos trabalhadores.
O apelo da ACEA surge no mesmo dia em que a associação divulgou uma queda acentuada nas vendas de automóveis elétricos em agosto, com a quota de mercado a descer quase um terço, e uma queda de 18,3% nos registos de automóveis novos neste mês na União Europeia (UE). “Os consumidores estão a enviar a mensagem de que querem comprar veículos elétricos a preços semelhantes dos veículos de combustão”, disse o CEO da Stellantis, esta semana, numa conferência de imprensa em Itália. Carlos Tavares garante que a empresa que dirige está a fazer os possíveis por reduzir os custos dos veículos elétricos que produz sem perder a rentabilidade, mas, até que estas viaturas sejam colocadas no mercado ao preço dos carros a combustão, e sem subsidiação, não será fácil fazê-lo.
A ameaça da China
Estes números foram também tornados públicos no mesmo dia em que o vice-presidente da Comissão Europeia e responsável pelo comércio, Valdis Dombrovskis, se reuniu em Bruxelas com o ministro do Comércio chinês, Wang Wentao, para discutir as tarifas que o executivo comunitário pretende impor aos veículos elétricos chineses, uma questão que divide a União Europeia.
A introdução de taxas aduaneiras sobre os veículos elétricos de fabrico chinês não é consensual entre os Estados-membros, com países como a Hungria a permitirem, por exemplo, a instalação de uma fábrica da BYD, que acaba por ser uma forma de contornar um eventual aumento destas taxas.
Mas, independentemente dos impostos que possam vir a ser cobrados, João Rodrigues do Santos recorda o monopólio, sobretudo tecnológico, da China no fabrico de muitos dos componentes de produção de energia verde que são necessários à escala global. “Basta ter em consideração que 97% do lítio – fundamental para o armazenamento de energia e para a transição para um modelo de baixo carbono – que a União Europeia utiliza é provavelmente da China”, sublinha. Na perspetiva do economista e professor universitário, é verdade que as tarifas têm o propósito de proteger as empresas da concorrência externa e o emprego interno. Mas, “quando na Europa se impõe uma tarifa a um veículo elétrico chinês, o que se está a fazer, objetivamente, no curto prazo, é prejudicar o consumidor e o orçamento das famílias europeias”, defende.
No fundo, isto significa que a Europa está “entre a espada e a parede”, pois precisaria de perceber, com precisão, “se a vantagem que resulta para os consumidores, a partir da circunstância de não haver tarifas e de termos um mercado global de veículos automóveis livre e concorrencial verdadeiramente, se sobrepõe ou não ao prejuízo que teríamos seguramente no curto e médio prazo para o emprego na União Europeia”.
Do lado da associação que representa os fabricantes da indústria automóvel em Portugal – a AFIA – a opinião é a de que a resposta não está na imposição de taxas alfandegárias. “Podem ter algum efeito de contrariar, mas não são a solução”, diz José Couto. Ao abrirem fábricas em solo europeu, “as marcas chinesas continuarão a receber componentes provenientes da China”, acredita o presidente da AFIA. Ou seja, “estaremos a produzir automóveis no espaço europeu, com componentes que não são fabricados na Europa e que podem não cumprir com os requisitos que a UE impõe”, explica. Uma concorrência desleal para os fabricantes de componentes europeus, nomeadamente os nacionais, que marcam presença em 98% dos carros produzidos na Europa.
A reindustrialização do Velho Continente é, na opinião de José Couto, uma medida essencial para evitar a dependência de matérias-primas e de produtos de outras geografias. No entanto, este é um caminho que demora o seu tempo. “A Europa tem que perceber que o peso que a indústria automóvel tem no PIB é uma realidade”, salienta.
A indústria automóvel representa 7% do Produto Interno Bruto europeu e empresa direta e indiretamente 13 milhões de pessoas, das quais 100 mil em Portugal. É responsável pela dinamização dos centros tecnológicos e da investigação científica nas universidades. Ou seja, se a indústria automóvel europeia deixar de ter esta necessidade, se não se venderem automóveis, se não for desafiada a fazer mais e melhor e a introduzir tecnologia, este esforço não é necessário. “É nisso que temos de pensar. Na indústria automóvel a solução não está em baixar a produção ou aumentar, é uma questão mais complexa que tem a ver com a sobrevivência de uma parte importante da indústria na Europa”, salienta o presidente da AFIA.