José Couto, presidente da AFIA, alerta que as empresas da fileira automóvel estão “a recuperar de uma tempestade que não foi anunciada”. E que “investimentos planeados e em curso terão de ser repensados”, como é o caso de novas soluções tecnológicas e de incremento dos processos de implementação de um quadro de modernização no âmbito da indústria 4.0.
Mas porque as empresas de componentes não podem deixar de investir para responderem aos desafios da indústria automóvel, a AFIA pede instrumentos que garantam o reforço dos capitais permanentes, sem aumentar o endividamento ou prejudicar o rating das empresas junto das instituições de crédito. E também a reformulação de critérios de acesso ao Portugal 2020, para garantir investimentos de modernização e digitalização das empresas, com maiores taxas de comparticipação e de maior prazo de reembolso.
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Associações alertam para o risco de projetos ficarem pelo caminho ou nem saírem do papel. Associação Empresarial de Portugal defende mesmo subida da taxa de cofinanciamento europeu para mais de 90%
in Expresso, textos Joana Nunes Mateus, foto Nuno Botelho, 20-06-2020
Aumentar a taxa de comparticipação dos fundos comunitários é das medidas mais urgentes que todas as associações empresariais contactadas pelo Expresso defendem para ajudar os empresários a conseguirem levar adiante a carteira de €11 mil milhões de projetos de investimento aprovados pelo Portugal 2020 antes da súbita crise provocada pela covid-19.
A verdade é que a pandemia apanhou a meio, ou ainda no arranque, milhares de projetos de investigação, inovação, qualificação ou internacionalização aprovados pelos empréstimos e subsídios dos chamados sistemas de incentivos ao investimento empresarial.
Esta carteira de investimentos do Portugal 2020 já está a encolher. E um recente inquérito aos associados da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) mostra que poderá encolher ainda mais. De facto, 42% dos empresários inquiridos planeiam “suspender ou cancelar totalmente” o investimento previsto para 2020, 40% vão mantê-lo “parcialmente” e apenas 18% tencionam manter a sua totalidade. Cada vez mais pessimista, o Banco de Portugal alerta mesmo que o investimento empresarial pode cair 17% em 2020.
Neste contexto, a Associação Empresarial de Portugal (AEP) foi uma das primeiras a propor ao Governo aumentar as taxas de cofinanciamento europeu para minorar o impacto da covid-19 nos projetos já em curso. “Creio que, nesta fase que exige uma forte estabilização da atividade económica, as taxas de comparticipação devem ser elevadas, embora em cumprimento das regras europeias. Desejavelmente devem ultrapassar os 90%”, diz o presidente da AEP, Luís Miguel Ribeiro.
O presidente da AEP considera esta medida fundamental para que as empresas não desistam de investir. “Não podemos esquecer que estamos perante instrumentos muito importantes com vista ao estímulo do investimento produtivo, com a mais-valia da respetiva natureza inovadora.”
TAXA BASE É DE 35%
Aliás, o Governo até já está a mobilizar os fundos europeus para pagar, a fundo perdido, 100% de vários investimentos públicos e 80% a 95% da reconversão industrial para a produção de máscaras, álcool gel e outros bens essenciais ao combate da covid-19.
Mais baixas são as taxas de cofinanciamento europeu aos investimentos empresariais: “A taxa base para uma média empresa é de 35%. E só metade deste incentivo é a fundo perdido já que a outra metade é um empréstimo a reembolsar. Mesmo uma PME do interior só consegue 60%, da qual metade é reembolsável”, explica Victor Cardial, presidente da Associação dos Consultores de Investimento e Inovação de Portugal.
Daí que o aumento desta taxa de comparticipação seja reivindicado por várias das fileiras que mais investem com os fundos europeus. É o caso da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) ou da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção (ANIVEC). Quatro associações que responderam ao inquérito do Expresso.
TEMPESTADE NÃO ANUNCIADA
“Admito que venha a haver algumas empresas que não consigam ultrapassar esta fase extremamente difícil. Mas a grande maioria das que estão envolvidas em projetos financiados pelo Portugal 2020 irá executar os referidos projetos. Não se trata de whisful thinking. É uma convicção alicerçada numa análise próxima das empresas, acompanhada, em muitos casos, de conversas sobre o assunto com as empresas em causa”, diz Rafael Campos Pereira, o vice-presidente executivo da AIMMAP que defende o aumento da taxa de comparticipação em projetos conjuntos e individuais ou a maior flexibilidade na sua execução.
José Couto, presidente da AFIA, alerta que as empresas da fileira automóvel estão “a recuperar de uma tempestade que não foi anunciada”. E que “investimentos planeados e em curso terão de ser repensados”, como é o caso de novas soluções tecnológicas e de incremento dos processos de implementação de um quadro de modernização no âmbito da indústria 4.0.
Mas porque as empresas de componentes não podem deixar de investir para responderem aos desafios da indústria automóvel, a AFIA pede instrumentos que garantam o reforço dos capitais permanentes, sem aumentar o endividamento ou prejudicar o rating das empresas junto das instituições de crédito. E também a reformulação de critérios de acesso ao Portugal 2020, para garantir investimentos de modernização e digitalização das empresas, com maiores taxas de comparticipação e de maior prazo de reembolso.
REVOLUÇÃO NO TÊXTIL
“Algumas empresas terão dificuldade em prosseguir com a execução dos investimentos contratualizados com o Portugal 2020, podendo haver projetos que irão ficar pelo caminho ou mesmo não chegarem a sair do papel”, admite o presidente da ATP, Mário Jorge Machado. Este explica que “a capacidade de endividamento das empresas foi fortemente impactada no contexto da pandemia, limitando a sua capacidade de investimento”. Nos últimos meses, as condições de mercado alteraram-se tão “significativamente que ninguém consegue prever para quando a recuperação da economia para níveis pré-covid-19”. E os projetos apresentados antes da pandemia poderão nem “responder aos objetivos que tinham sido delineados à época”.
Os empresários vão assim precisar de prazos de execução dos investimentos e de reembolso dos empréstimos mais alargados, melhores condições nos adiantamentos de fundos europeus. E também de margem para alterar os projetos que já não fazem sentido nesta nova realidade e de taxas de financiamento maiores.
“O ânimo, em geral, é de enorme preocupação com o impacto imediato originado pela pandemia e de extrema apreensão e incerteza em relação ao impacto futuro”, acrescenta o presidente da ANIVEC, César Araújo. “Todavia, nas últimas semanas temos vindo a assistir a um interessante processo de reorganização interno, no sentido de defenderem os seus negócios e os postos de trabalho dos seus colaboradores.”
Para que a grande maioria dos projetos contratualizados com o Portugal 2020 possa ser concretizado pelos industriais de vestuário e confeção, César Araújo pede várias medidas: “O aumento da taxa de comparticipação seria, nesta fase, uma medida muito interessante para as empresas, principalmente para as exportadoras. Mas podemos acrescentar outras. Por exemplo, o cumprimento dos prazos para análise dos pedidos de pagamento, a desburocratização de alguns procedimentos e a aceleração no pagamento dos 5% finais do incentivo nos projetos já realizados.”
NÃO SE PODE PERDER A CABEÇA
A Associação dos Consultores de Investimento e Inovação de Portugal (ACONSULTIIP) denuncia o crescente descontrolo na atribuição dos fundos do Portugal 2020. “A descoordenação estratégica, a multiplicação de programas e sistemas, a profusão de avisos, concursos, decisões, autoridades de gestão, sistemas de informação e notícias, têm vindo a criar uma desorientação crescente dos empresários, investidores, gestores, consultores e de todos os envolvidos no processo de revitalização da economia portuguesa que é de muito mau augúrio”, diz o presidente da ACONSULTIIP, Victor Cardial.
Dá exemplos do que considera ser a crescente subjetividade com que são avaliados os projetos de investimento ou o facto de nem todas as decisões das autoridades regionais serem publicadas no sistema de informação centralizado do Balcão 2020. “Isto mostra como a estrutura já nem consegue dar uma resposta adequada à enorme entropia que criaram”, diz ao Expresso. “Num momento de crise como este, é indispensável manter a cabeça fria, senão estamos todos perdidos. Sem liderança forte, não iremos distribuir dinheiro de helicóptero… Iremos é pô-lo na ventoinha!”, teme o presidente da ACONSULTIIP. Em nome de consultores que preparam e acompanham muitas das candidaturas das empresas aos fundos comunitários, esta associação considera indispensável repensar todo o edifício regulamentar do Portugal 2020, reajustando os métodos e os modelos, simplificando e centralizando a sua gestão, melhorando o controlo e a operacionalidade, garantindo um nível de exigência adequado aos projetos e assegurando avaliações competentes e em tempo útil. Na reta final deste quadro comunitário, “com apoios que não são adequados ao momento que vivemos, tanto ao nível dos montantes disponíveis como à forma e extensão dos apoios, torna-se necessário o desenho de um sistema simples, integrado, adequado à realidade e capaz de manter ou elevar o nível de exigência dos projetos para permitir uma retoma competitiva do tecido empresarial”, pede Victor Cardial. A proposta que a ACONSULTIIP deixa ao governo é a criação de três programas integrados de apoio às empresas: o MAIN — Modernização, Adaptação e Inovação nos Negócios dirigido às micro e pequenas empresas (em particular, do comércio e serviços), o RACE – Revitalização Estratégica da Competitividade Empresarial vocacionado para PME e empresas de média capitalização e o RISC, com capital de risco para desenvolver novas ideias, negócios e processos de reestruturação empresarial. “Na nossa perspetiva, um quadro simples, fácil de implementar e de ser acolhido pela comunidade empresarial, permite o foco no essencial e a rapidez na ação que são fundamentais na situação atual.”